A filha do carpinteiro

Conto ambientado num cenário bucólico francês, Velas Escarlates, de Pietro Marcello, assemelha-se a um bonito postal antigo.

Um homem regressa a casa no fim da Primeira Guerra Mundial e descobre que a esposa morreu, deixando-lhe um bebé, que está ao cuidado de uma vizinha. Raphaël é apenas um dos muitos soldados que nessa época traziam o choque no rosto, enquanto tentavam reconstruir as vidas pessoais com as sobras do tempo perdido. No caso deste ex-militar francês, as mãos maciças e habilidosas de carpinteiro são a única via de sobrevivência, aplicadas na criação de brinquedos artesanais ou de um busto esculpido para a proa de um navio. Um labor manual precioso cuja arte reflete a intenção do realizador. A saber: recorrendo à mesma técnica usada no filme anterior, Martin Eden, em que imagens documentais intercalam a ficção (como forma de sublinhar a sensação de um destino coletivo inscrito no passado), o italiano Pietro Marcello volta a depositar nesta estratégia visual uma confiança quase absoluta. Então, o que fica de Velas Escarlates para além dessa combinação "artesanal" de registos, e da doce superfície granulada da imagem (formato 16mm)?

Da história provinciana à volta do carpinteiro da Normandia não fica grande coisa, porque a certa altura a agulha muda para a sua filha (a debutante Juliette Jouan), um espírito livre e terno preso naquele ambiente fechado - percebe-se que afinal era ela o objeto da narrativa... E a esta imprecisão junta-se a natureza episódica de todo o quadro, com um toque de fábula pelo meio e um par de momentos musicais que não ganham corpo na essência do filme. São bonitos, mas estão ali apenas a reforçar uma beleza de postal antigo, sem espessura dramática. Eis o pecado deste filme de Pietro Marcello: empenhar-se demasiado em ser um apontamento poético.

Vê-se Velas Escarlates com uma ligeira impressão de que tudo é vago e fugidio, tal como a passagem de Louis Garrel pelo filme, na pele de um piloto que "cai do céu" e se apaixona pela jovem Juliette, desaparecendo pouco depois e voltando mais tarde só para viabilizar o final milagroso prometido na epígrafe. Sabe a pouco.

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