“Pode dizer-se que o regresso da comédia romântica teve início quando Nora Ephron se encontrou com Rob Reiner no Russian Tea Room [Manhattan] em 1984. Ainda nem sequer tinham feito o pedido da refeição e Nora já rejeitara a ideia de Reiner, e do seu produtor Andy Scheinman, para um filme sobre um advogado. Mas Reiner e Scheinman não desistiram facilmente e a conversa voltou-se para as suas próprias vidas como solteirões, o que, ao fim de alguns encontros, evoluiu para uma ideia de argumento. (...) Reiner sabia que precisava de uma perspetiva feminina.” As palavras de Ilana Kaplan no capítulo When Harry Met Sally, do livro Nora Ephron at the Movies, publicado há algumas semanas pela Abrams Books (sem edição portuguesa), levam-nos àquele momento na história de Hollywood em que uma certa reunião criativa revitalizou um género clássico há muito esquecido... nos seus termos clássicos. .When Harry Met Sally (1989), ou Um Amor Inevitável, como se chamou por cá – realização de Rob Reiner, com argumento de Nora Ephron –, é o título a que se recorre sempre que está em causa a defesa da comédia romântica como um género elevado, que, por exemplo, dá complexidade às personagens femininas. E foi dele que alguma imprensa internacional se lembrou quando no início do outono chegou à Netflix a série Ninguém Quer Isto: o The Guardian escrevia mesmo que se tratava de “uma feliz comédia romântica tão engraçada como When Harry Met Sally”; no The New York Times falava-se de um “ressuscitar” da romcom, e a revista Time (assim como outras publicações) sublinhava a química entre os atores Kristen Bell e Adam Brody. Tudo isto soube à renovação de um velho tópico... .Meg Ryan e Billy Crystal, a química de 1989, em Um Amor Inevitável..A verdade é que volta e meia se fala do “renascimento” da comédia romântica como um fenómeno que está em vias de acontecer a propósito de determinado filme, ou determinada série – tivemos esse eco com Todos Menos Tu, de Will Gluck, que no início deste ano foi um dos filmes mais vistos nos cinemas portugueses, e um caso notório de bilheteira um pouco por tudo o mundo, com Glen Powell e Sydney Sweeney nos papéis principais, e agora, na estação própria da romcom (outono/inverno), a conversa relançou-se a propósito da referida série Netflix, Ninguém Quer Isto, genuinamente um bom novo ponto de partida para se pensar este género nos tempos modernos, com uma dupla capaz de acender aquela luzinha interior que o melhor romance na tela desperta. .Afinal, “toda a gente quer isto”.Em Nobody Wants This, Kristen Bell interpreta uma mulher espirituosa e agnóstica, na casa dos 30, que partilha com a irmã (Justine Lupe) um podcast sobre sexo e relações; já Adam Brody é o rabino sexy e progressista por quem ela se apaixona à primeira mirada – ou desde o primeiro jantar na festa de anos de uma amiga... Segundo a criadora da série, Erin Foster, nesse jantar em que a atração se revela mútua há uma cena praticamente improvisada, constituindo-se a chave orgânica de um magnetismo, acrescentamos nós, não muito distante das comédias românticas que Meg Ryan protagonizou, ora com Billy Crystal (Um Amor Inevitável) ora com Tom Hanks (Sleepless in Seattle/Sinfonia de Amor e You’ve Got Mail/Você Tem uma Mensagem), todas saídas da mente de Ephron, essa obreira da modernidade do género, que ficou como uma referência do romantismo inteligente. Nem mesmo Ryan, que foi a expressão simbólica desse trio de filmes sagrados, conseguiu chegar aos pés da fórmula com a romcom que assinou em finais do ano passado: What Happens Later. .Com um quarto filme de Bridget Jones (subtítulo: Louca por Ele) a chegar aos cinemas em 2025, há de facto sinais de que o género quer renascer de alguma forma, aproveitando a chamada superhero fatigue para convencer a indústria de que a nostalgia da verdadeira comédia romântica pode ser uma nova estratégia de mercado. .É esse brilho, de resto, que vem com Ninguém Quer Isto (segunda temporada garantida), ou com Um Dia, outra série da Netflix justamente elogiada, ou, de forma menos óbvia, com Assassino Profissional, filme de Richard Linklater onde Glen Powell volta a mostrar os seus dotes, com mais carisma do que nunca, navegando uma trama policial bem-humorada e originalmente romântica. Há, pois, uma conversa de fundo a acontecer que importa manter viva. Uma conversa que também tem que ver com estes tempos de um mundo à beira do abismo: não foi durante a Segunda Guerra Mundial que o preto e branco das comédias de Cary Grant, acompanhado de Katharine Hepburn, Irene Dunne ou Rosalind Russell, trouxe um pouco de cor à realidade? É bom que elas não desistam de nós.