74 artistas que, em comum, têm um país que os viu nascer ou que os acolheu
O nome não é revelado, mas a ideia para esta exposição partiu de um colecionador privado que a sugeriu à administração da Fundação Calouste Gulbenkian. “Foi dele também a ideia, que era óbvia, mas de que não nos tínhamos lembrado, de juntar as peças da Coleção Berardo e da Gulbenkian. E lançou-nos esse repto e depois nós, a partir daí, desenvolvemos a ideia”, diz ao DN Ana Vasconcelos, conservadora e curadora do Centro de Arte Moderna (CAM).
A coleção inglesa da Gulbenkian, conta-nos Ana Vasconcelos, é composta por 450 peças e a mostra que abre as portas ao público hoje na galeria principal da fundação, intitulada Arte Britânica - Ponto de Fuga, é uma forma de lhes dar visibilidade. São 46 obras da coleção do CAM e 34 da coleção Berardo em depósito no MAC/CCB, e algumas nunca foram expostas anteriormente. Há também empréstimos nacionais e internacionais.
Estão representados 74 artistas, 27 dos quais nascidos fora do Reino Unido, oito deles portugueses. Paula Rego, Bartolomeu Cid dos Santos, Menez, Eduardo Batarda, Fernando Calhau, Graça Pereira Coutinho, João Penalva e Rui Sanches são os artistas plásticos que procuraram formação em Londres - que a Gulbenkian, através das suas bolsas, também apoiou financeiramente -, alguns regressaram, outros ficaram por lá.
Entre os artistas não-portugueses expostos há alguns destaques, como um quadro de J.M.W. Turner (Quillebeuf, Foz do Sena, de 1833), pertencente ao Museu Gulbenkian, uma obra do irlandês Francis Bacon (Édipo e Esfinge segundo Ingres, de 1983), da Coleção Berardo, duas peças de David Hockney (Cabeça Renascentista, de 1963, do CAM, e Picture Emphasizing Stillness, de 1962, da Coleção Berardo), só para referir alguns.
A escolha dos artistas britânicos representados nesta exposição obedeceu a critérios diversos. “Foram as relações que têm com os outros artistas, ou até o interesse das próprias peças nas coleções. Nós queríamos, por um lado, valorizar as coleções institucionais, e pôr highlights também - não ser só uma panóplia de nomes meio conhecidos ou até desconhecidos”, sublinha a curadora do CAM.
Mas o fio condutor de todos os 74 artistas que estão nesta exposição é geográfico. “O ponto comum é o Reino Unido, é onde eles estão. Quer sejam nascidos lá e provenientes de famílias britânicas, quer sejam da diáspora inglesa, do antigo império, que depois se dissolve na Commonwealth, quer sejam exilados, emigrantes, deslocados, refugiados. Portanto, sobretudo Londres, como grande plataforma giratória mundial que é ainda”, explica Ana Vasconcelos.
A exposição tem curadoria de Ana Vasconcelos e Rita Lougares, da Coleção Berardo, que procuraram a consultoria científica de Sarah MacDougall, da Ben Uri Foundation, de Londres. “A Sarah é uma especialista em questões de migração e de exílios, portanto, fomos buscá-la. Não foi logo no início, mas foi a certa altura - são 27, apesar de tudo, os não-nascidos no Reino Unido, portanto, era preciso reforçar essa ligação, senão isto ficava muito mais fino”, explica Ana Vasconcelos.
“Alguns fugiram de regimes opressivos e fizeram um contributo real para as artes plásticas britânicas”, frisa, por sua vez, Sarah MacDougall, que ontem também participou na visita de imprensa à exposição. O dadaísta alemão Kurt Schwitters, por exemplo, fugiu do regime nazi, primeiro para a Noruega e depois para Inglaterra. O quadro Rudol 333, de 1939, pertencente à Coleção Berardo, é uma das obras expostas.
A especialista britânica diz que há “linhas de convergência entre os artistas, algumas são óbvias” - como o inserirem-se no mesmo movimento artístico, ou terem estudado na mesma escola de arte - outras podem surgir da observação do visitante.
Por exemplo, é possível encontrar relações na paleta de cores e na temática da família entre a pintura Antepassados 1966 da portuguesa Menez - que remete para o avô general Óscar Carmona -, com a de A Família no Jardim do britânico Michael Andrews (de 1960-61) - um retrato de grupo da família na hora do chá.
Menez frequentou em Londres a Slade School of Fine Art, onde também estudou Paula Rego, e tornaram-se amigas. Paula Rego, “que tem papel especial na história da arte britânica”, sublinhou Guilherme de Oliveira Martins, administrador executivo da Gulbenkian presente nesta apresentação, e tem duas obras em exposição (O Gigante Minsky, de 1958, e As Vivian Girls como Moinhos de Vento, de 1984), ambas do CAM.
A curadora Ana Vasconcelos diz que a relação de Menez e Paula Rego está “pouco aprofundada” e há um campo de investigação em aberto sobre a vivência e as relações estabelecidas entre os artistas portugueses em Londres.
Este projeto prevê também a publicação de um livro de ensaios pela editora Tinta da China - entre finais de abril e início de maio -, em que cada um dos artistas será um “caso de estudo” por parte de investigadores diferentes.
Ana Vasconcelos explica que se trata de “ um estudo biográfico e de obra, e depois tem uma análise das obras expostas. A Catarina Alfaro vai falar sobre a Paula Rego, o Afonso Campos trabalhou o Penalva, eu trabalhei o Fernando Calhau - dividimos para fazermos uma investigação um bocadinho mais aprofundada, porque é também esta a ideia, de aumentar o conhecimento e projetá-lo de outra maneira, atravessá-lo com outros olhares”.