Crise obriga portugueses a arrendar a própria casa ilegalmente
A lei é clara: arrendar uma casa que tenha crédito àhabitação, é ilegal. Pelo menos se o banco não for avisado e não concedaautorização para outro fim que não o da habitação. Esta é uma situação cada vez mais comum e muito se deve àsdificuldades económicas das famílias portuguesas. O cenário não poderia sermais adversa: desemprego, aumento dos impostos, subida das taxas de juro e,consequentemente, a redução do poder de compra. Com o mercado imobiliário estagnado vender uma casa,actualmente, pode demorar vários meses. Perante esta situação algunsportugueses com empréstimo à habitação estão a optar por arrendar a casa. Umsolução que, embora muitos possam não saber, é ilegal. "O contrato de financiamento à aquisição de habitaçãoproíbe o arrendamento do imóvel", explica a sociedade de advogados PLMJ, emdeclarações ao Dinheiro Vivo. Caso o banco não seja avisado e não haja acordo, ainstituição financeira pode considerar que existe incumprimento do contrato decrédito à habitação e exigir o pagamento da totalidade do empréstimo. Filipe, 29 anos, desempregado é um desses exemplos. Depoisde ter-lhe sido comunicado que iria ser dispensado do exército, começou a fazercontas à vida. O subsídio de desemprego seria curto para pagar o empréstimo etodas as outras contas. "Como já andava a ouvir que as taxas de juro iamcomeçar a subir, e lembro de pagar há uns anos bastante pela casa, achei queera melhor antecipar-me", adiantou Filipe ao Dinheiro Vivo. A escolha foi simples: "decidi arrendar a casa e com odinheiro da renda consigo pagar o empréstimo e ainda me sobradinheiro". Filipe não fazia ideia de que é ilegal o que está a fazer."Como não moro na casa, simplesmente arrendei, não fazia ideia que tinhade falar com o banco, mas talvez me vá perguntar melhor ao gestor deconta", acrescentou. Na realidade, esta situação coloca-se porque ao arrendarestá-se a dar outra finalidade à casa diferente da que ficou estabelecida nocontrato de financiamento. As três respostas que precisa saber:Posso arrendar a minha casa embora o contrato definanciamento o proíba? Se o fizer quais serão as consequências?De um modo geral, o contrato de financiamento à aquisição dehabitação proíbe o arrendamento do imóvel devido ao fim para o qual foiconcedido o financiamento, ou seja, tendo o financiamento sido concedido nopressuposto que se destinava à aquisição de habitação própria e permanente, énormal ficar estipulado que o imóvel não poderá ser utilizado para outros fins,incluindo para arrendamento a terceiros. Assim, e excepto no caso de seobter o consentimento do banco para o efeito, o arrendamento da sua casa poderálevar a que o banco considere ter ocorrido um incumprimento do contrato decrédito à aquisição de habitação que, em última instância, poderá legitimar obanco a declarar o vencimento antecipado do mesmo e a exigir o pagamento datotalidade do valor do empréstimo. Há forma de negociar com o banco, já que não consigo mantera prestação? O devedor pode sempre solicitar ao seu banco a renegociaçãodas condições do crédito à aquisição de habitação (por exemplo, spread, prazodo contrato e/ou alteração do regime de taxa de juro). Contudo, qualqueralteração deste tipo exige o acordo entre o cliente e a instituição de crédito,pelo que ficará dependente da sua concordância. Note que, de acordo com a lei,o banco não poderá cobrar qualquer comissão pela análise da renegociação dascondições do crédito, nem pode fazer a referida renegociação depender daaquisição de outros produtos ou serviços financeiros. Por outro lado, poderátentar negociar com outros bancos a transferência do crédito - dependendo dascondições oferecidas (e dos custos associados à transferência) esta poderátambém ser uma solução para a sua situação. E tenho alguma defesa se o banco decidir subirunilateralmente o "spread"? O spread pode ser alterado por mútuo acordo entreas partes no âmbito de uma renegociação das condições do contrato ouunilateralmente pelo banco se o contrato de financiamento incluir uma cláusulacontratual que o permita. Contudo, na sequência de uma Directiva Europeia, oBanco de Portugal emitiu uma carta circular estabelecendo que as cláusulascontratuais que permitem a variação de spread deverão também prever que essaalteração (unilateral) terá de ter como base "razão atendível" ou "variações demercado". Assim sendo, o primeiro passo para qualquer devedor que receie que asua taxa possa ser modificada será verificar se o seu contrato de financiamentoinclui uma cláusula deste tipo. Nessa hipótese, se o banco alterarunilateralmente a taxa de juro dentro dos limites legais, terá de notificar odevedor e este poderá pôr fim ao contrato ou, eventualmente, transferir o seuempréstimo para outro banco dentro de um prazo razoável estabelecido pelainstituição de crédito não ser inferior a 90 dias.