Crise do leite e da carne. A revolta dos agricultores

Se tenciona deixar a cidade para agarrar uma bela vida no campo, cuidado, pense duas vezes se quer mesmo produzir leite de vaca ou carne de porco.
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Há vários estudos a apresentar Portugal como um país de oportunidades na agricultura. Pode ser. Mas, neste momento, os segmentos da produção de leite de vaca e de carne de porco talvez sejam de evitar, a menos que se opte pela produção em modo biológico.

Basta ver a onda recente de manifestações que se têm multiplicado, em Portugal, mas também noutros países europeus, com um denominador comum: aqueles dois segmentos agrícolas não garantem o rendimento suficiente para a sobrevivência dos profissionais que deles dependem. O mercado está inundado e faz valer as regras: excesso de oferta, baixa de preços.

No caso do leite, o desmantelamento das quotas de produção aplicadas a cada Estado-membro só fará um ano no dia 31 de março, mas os malefícios já estão à vista.

Com o regime de quotas em vigor, Portugal chegou a ser autossuficiente no leite. Mas isso já lá vai. A Europa ficou saturada com as produções das vedetas europeias do setor (França, Alemanha, Holanda, Espanha…) e, como se isso não bastasse, o embargo russo aos bens europeus só veio agravar os excedentes, afundando ainda mais os preços ao produtor.

Em Portugal, o preço na produção está agora nos 28 cêntimos por litro, em média, quando os custos de produção estão nos 34 cêntimos, segundo o setor.

As dificuldades reais foram afastando cada vez mais agricultores, restando agora apenas 5500, um número insuficiente para responder às necessidades nacionais de consumo. Logo, o país teve de recorrer à importação, tendo gasto, em 2015, um valor (550 milhões de euros) muito superior ao que realizou com as exportações (212 milhões de euros).

Nas manifestações, o que os produtores mais têm pedido – além da reposição da regulação e de mais ajudas ao setor – é para que os portugueses cheguem às prateleiras dos supermercados e tenham a lucidez de só quererem o leite com rótulo nacional, a bem da economia do país.

Saiam uns rojões… de porco português, por favor

Na produção de carne de porco, há alguns pontos em comum com o leite, desde logo, o excesso de oferta no mercado, em parte, por igual via do embargo russo.

Tal como no leite, Portugal também já foi autossuficiente na carne de Porto, embora num passado bem mais recuado… aliás, estávamos a acabar de aderir à CEE (1986).

Agora, os 4500 produtores nacionais só produzem 55% das suas necessidades de consumo interno e, como no leite, as importações da União Europeia (270 milhões de euros), no ano passado, foram bem mais altas do que as vendas ao espaço comunitário (52 milhões de euros).

Mais uma vez, a chave está no preço pago ao produtor. Como no leite, é um dos valores mais baixos entre os países com expressão no ramo (Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Espanha), estando agora nos 0,89€ por quilo de porco vivo.

O setor dá especial atenção a Espanha, já que o país vizinho, ao contrário de Portugal, produz 160% da carne de porco do que consome.

E esse é outro dos motivos que tem levado os produtores nacionais a multiplicarem-se em ações de sensibilização junto do consumidor, para que privilegie o rótulo português nas suas opções de compra.

Nas mãos de Bruxelas

Agora, no último Conselho Europeu de Agricultura, a Comissão manifestou estar disponível para limitar as produções temporariamente, e com compensações financeiras, como o ministro português defende. No entanto, os vários Estados não se entenderam quanto às fontes de financiamento a usar, e esse vazio deixou Capoulas Santos indignado, por considerar que o assunto já deveria ter ficado ontem resolvido.

No Conselho, o comissário europeu da Agricultura comprometeu-se a apresentar, “muito em breve”, uma proposta com mais pormenores sobre o assunto.

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