Contradições

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Nas últimas semanas a palavra "contradições" transformou-se na nova buzzword nacional, entrando no jargão político com honras de moda passageira mas irresistível.

Pronunciada pelo líder do PSD, repetida por todos os deputados da direita, gritada pelos membros do Chega, ecoada pelos comentadores, adotada pelos jornalistas, a palavra instalou-se nas nossas televisões, jornais e mesmo nas redes sociais. Não há telejornal, jornal, blogue ou simples página de Facebook que a ela não recorra várias vezes por dia.

Mas não se pense que é usada na sua aceção filosófica, em que ganhou centralidade no pensamento de Hegel na famosa tríade, tese-antítese- síntese, se fixou na dialética de Marx e Engels e foi depois desenvolvida e clarificada num monumental ensaio intitulado "Da contradição" do dirigente chinês Mao Tsé-tung (Mao Zedong). Não, não é nessa aceção que agora é usada. Não se elevam às rarefeitas e elevadas esferas filosóficas os nossos políticos preferindo, na generalidade, manter-se a um nível mais rasteiro.

Usam a palavra, por tudo e por nada, mas com outro sentido. Como insulto, como arma de arremesso, como sinónimo de "malandro", de "bandido", de "inimigo". Como? Assim: um ministro abre a boca, logo o coro grita "Contradições", significando "demite-te bandido". Um deputado da maioria discurso, o coral canta "Contradições" como quem diz "malandro, mentiroso". Um chefe de gabinete fala, ouvem-se vozes agudas clamando "Contradições" querendo significar "cala-te, não escutem o que diz".

"Contradições" é, pois, a nova forma de censura, de calar os adversários, de desvalorizar o que dizem, de insultar os outros, de substituir o debate racional pela invetiva e pela gritaria.

A palavra "contradições" exemplifica o novo estilo de fazer política em Portugal, um estilo introduzido pelo Chega e que está a alastrar a toda a direita e até a alguma esquerda; um estilo que Eça de Queiroz chamou de ultramontano, isto é barulhento mas vazio, enérgico mas incoerente, repetido mas errado, um estilo truculento, ameaçador, violento e não democrático.

É a esta triste figura que está reduzida a Democracia em Portugal. Terá reforma? Provavelmente não.

E contudo a palavra pode e deve usar-se numa discussão séria sobre o nosso país, nas contradições reais entre as propostas sindicais e patronais sobre salários, entre os nossos interesses e os de outras nações, entre a realidade da seca e as políticas agrícolas, entre a necessidade de elevar a instrução pública e a política de "contas certas", entre o liberalismo e o deficit externo, e tantas outras contradições reais da nossa condição de país periférico e desigual.

Infelizmente os problemas reais não são tratados e enveredamos pela má-educação como única forma de debate público sobre temas irrelevantes - como sobre quem agrediu quem a propósito da posse de um computador do Estado.

Pior pretende-se, agora, alargar a campanha de desprestígio das instituições para organizações vitais do Estado, como os serviços secretos e de informação.

É urgente arrepiar caminho e recentrar o debate nos problemas reais e ignorar quem grita a despropósito "Contradições".

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