Um “interruptor epigenético” que controla o envelhecimento
No que toca ao envelhecimento, há uma máxima que diz que 30% das “culpas” cabem à genética e 70% à epigenética, lembra a bioquímica Elsa Logarinho. Significa isto que embora os nossos genes desempenhem um papel importante na longevidade, os fatores ambientais extrínsecos (epigenéticos) têm uma influência muito maior na forma como envelhecemos. É também por isso que ganha acrescida importância a descoberta, por uma equipa coordenada pela investigadora do Instituto i3S, no Porto, de um “interruptor epigenético” no nosso genoma que permite “ligar e desligar” processos biológicos associados ao envelhecimento.
A descoberta, que pode mudar a forma como encaramos o envelhecimento, foi recentemente publicada na prestigiada revista Nature Communications e ganhou o nome de C10-P2. “Trata-se de uma região reguladora do genoma que desempenha um papel central no envelhecimento das células”, segundo Fábio Ferreira, primeiro autor do artigo, em comunicado do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, i3S.
Ao DN, a co-coordenadora deste estudo Elsa Logarinho, com vasto trabalho de investigação dedicado a esta área do envelhecimento, explica que estes interruptores epigenéticos “são regiões do DNA que vão interagir com os genes que estão a regular”. No caso do C10-P2 agora descoberto pela sua equipa, a atividade afeta diretamente a expressão do gene FOXM1, conhecido como o “gene da juventude”. O que sucede é que, “à medida que envelhecemos, essa região reguladora vai fechando e isso leva ao silenciamento do gene FOXM1”, detalha. Esta alteração conduz ao envelhecimento celular e pode estar associada a doenças relacionadas com a idade, como doenças neurológicas, cardiovasculares e outras.
Neste trabalho, os cientistas do i3S analisaram as características epigenéticas do genoma de células da derme (pele) de indivíduos com idades desde os primeiros dias de vida até aos 80 anos. As alterações epigenéticas ocorrem de forma progressiva ao longo da vida. São modificações químicas no DNA, ou nas proteínas associadas, que regulam a atividade dos genes sem alterar a sequência genética, determinando que genes estão ativos ou inativos em determinadas células e em cada fase da vida. Ao contrário da genética, que é intrínseca e hereditária, a epigenética é moldada por fatores externos, como alimentação, stress, sono, atividade física, poluição ou hábitos de vida.
Ora, neste estudo, os investigadores do i3S descobriram que as alterações epigenéticas afetam esta região reguladora C10-P2, tornando-a menos ativa, o que impede a expressão de genes envolvidos na reparação do DNA e na prevenção do envelhecimento celular, como é o caso do FOXM1. “Sem a ação desses genes, as células perdem a capacidade de se regenerar adequadamente, tornando-se disfuncionais e contribuindo para o envelhecimento do organismo”, descreve Logarinho.
Reverter o envelhecimento através da epigenética
Uma outra descoberta promissora do estudo reforça no horizonte a possibilidade de reverter os efeitos do envelhecimento celular. Quando os investigadores introduziram uma cópia extra do gene FOXM1 em células envelhecidas, observaram uma restauração das características epigenéticas jovens, com a reativação de genes antes silenciados e a redução da expressão de genes ligados à inflamação e à senescência.
“Se fizermos a indução de uma cópia-extra desse gene numa célula que já tem este interruptor epigenético fechado, conseguimos fazer uma espécie de shortcut no sistema, voltando a ligar o interruptor”, explica Elsa Logarinho. “Neste caso, o FOXM1 funciona como um reprogramador celular.”
A investigação do i3S reforça essa convicção dos cientistas de que o envelhecimento celular não é um processo irreversível, mas sim uma condição potencialmente modificável. Estes avanços abrem caminho para o desenvolvimento de novas terapias epigenéticas, que poderão atuar diretamente na região C10-P2 para impedir o encerramento desta “chave reguladora” do envelhecimento e ter aplicações no tratamento de doenças degenerativas e na melhoria da qualidade de vida da população envelhecida.
Ou seja, “viver mais tempo e de forma mais saudável”, resume Elsa Logarinho, convicta de que é “pela via da epigenética que passa a promoção do rejuvenescimento” - sem pisar fronteiras éticas sobre a definição da espécie, como acontece, por exemplo, nos ideais transumanistas.