"Sem sentidos, perde-se a capacidade de consciência"
O problema", começa por reconhecer António Damásio, "é que não temos - na comunidade científica - um acordo sobre o que é a consciência". Mas rapidamente, ou não fosse o neurocientista português um dos maiores nomes mundiais do seu campo, explica como devemos entender o fenómeno.
Mais do que o cérebro, "o que interessa aqui é o processo dos sentidos", diz Damásio, perante um auditório a abarrotar da Fundação Champalimaud, em Lisboa, que encheu para o primeiro Fórum do Center for Responsible AI.
A iniciativa, da associação portuguesa liderada pela Unbabel e que é um dos maiores centros do mundo dedicados a criar Inteligência Artificial de forma responsável, serviu para mostrar ao público dez novos serviços criados por alguns dos associados (ler mais à frente), para debater o desenvolvimento da Inteligência Arificial (IA, na sigla inglesa) e teve, ao fim da tarde, António Damásio como grande convidado.
O professor não desiludiu. A sua intervenção foi quase uma aula, bem disposta, na qual explicou como, na sua aceção, "o contínuo processo de sentido e experiência" é o que garante a consciência.
"É a contínua produção de imagética, visual, auditiva, e de todos os outros sentidos, que nos dá acesso à subjetividade, à perspetiva de nos localizarmos a nós próprios. É assim que temos a noção de "eu"", afirmou o cientista, justificando por que diz que aqueles que estudam a consciência essencialmente como um processo cognitivo "estão longe do problema real".
"Sem sentidos, perde-se a capacidade de consciência", diz. Isto porque cada um de nós é um sistema completo "neurológico, de tecidos e vísceras". "Não se trata apenas do cérebro, mas sim de todo um organismo vivo, do qual o cérebro faz parte". E é também das impressões sentidas no interior do corpo que a consciência se forma. "As sensações são consciência espontânea", diz o cientista.
Para Damásio, corpo, consciência e mente estão intrinsecamente ligados, através dos sentidos e, em consequência, é a consciência que "descobre o nosso lugar no Universo".
E quanto à Inteligência Artificial... No debate que se seguiu, em que António Damásio participou com Arlindo Oliveira (presidente do INESC) e que contou com a mediação de Francisco Pinto Balsemão (CEO da Impresa) e de Ana Paiva (professora do INESC-ID), a clássica questão colocou-se: Estão os chatbots como o ChatGPT prestes a chegar à consciência? A resposta é perentória: Não!
"É o equivalente a esperar que um livro, por muito longo que seja, ganhe consciência", disse Arlindo Oliveira, especialista em machine learning e IA.
O evento, no qual esteve presente, além da presidente da Fundação Champalimaud, Leonor Beleza, o ministro da Economia, António Costa Silva, serviu também para demonstrar ao público, ao vivo, 10 novas ferramentas de IA (em português) criadas por startups portuguesas do consórcio Center for Responsible AI.
Realçamos duas, na área da Saúde - ambas com apoio do Hospital de São João, no Porto.
O Halo, criado em primeira linha pela Unbabel, que junta IA generativa e interfaces neuronais não invasivas com o objetivo de restaurar a comunicação em pacientes que a perderam devido a doença neurodegenerativa, como a Esclerose Lateral Amiotrófica. Consegue, através de aparelhos como óculos e fones, reconhecer o ambiente em redor e as pessoas que se dirigem ao doente. Este, em contrapartida, é capaz de comunicar com maior facilidade via uma persona gerada por IA baseada na sua própria pessoa, enviando, por exemplo, mensagens de voz sintetizada com base naquilo que foi a sua voz natural.
A segunda chama-se Sword AI Telerehabilitation, que é uma plataforma (da Sword Health) que permite a pessoas que necessitam de fisioterapia fazê-la em casa através de assistente virtual de forma simplificada.
Além destas, foram também apresentados os serviços digitais:
A MONITIO: Media Monitoring Intelligence, da Priberam, uma plataforma de monitorização de media alimentada por IA que fornece insights acionáveis para além da escala humana.
O EMOTAI - Emotai Smart App, uma solução totalmente personalizada e customizada, alimentada por IA, para prevenir ativamente o esgotamento e a ansiedade. Um equipamento que inclui uma badana que mede a atividade neuronal e uma app com exercícios respiratórios e calendário de atividades.
O NeuralShift -- Affine Knowledge Discovery: sistema inteligente para pesquisa jurídica eficiente e descoberta de conhecimento de dados jurídicos públicos e não públicos. Uma espécie de "Google para advogados", com assistência de IA generativa desenhada para ajudar os causídicos a encontrar a legislação aplicável e as suas interações.
Cultural-Aware Multilingual Customer Service, da Unbabel. Software que utiliza IA generativa para analisar e reformular respostas de atendimento a cliente internacional tendo em conta o contexto cultural das línguas utilizadas, expressões idiomáticas, coloquialismos e referências culturais específicas de cada idioma. Um produto que capacita os profissionais de Apoio ao Cliente a interagir com clientes de diferentes culturas de uma forma mais apropriada do ponto de vista cultural.
Visor.ai | RAILS -- Responsible AI Learning Studio. Apresenta-se como o primeiro software de auditoria de IA Responsável para suporte ao cliente, que permitirá às empresas ter visibilidade em tempo real para garantir a conformidade com regulamentos e protocolos existentes de IA ou outros que surjam entretanto.
Automaise -- Support Genius. Assistente de apoio ao cliente que permite a automatização de tarefas repetitivas e morosas, ajudando a gastar menos tempo em tarefas de baixo valor e aumentando a produtividade.
Youverse -- YooniK RID. Serviços biométricos de autenticação que se apresentam como justos e facilmente explicáveis, descentralizados e prometendo total controlo ao utilizador, para que se utilize o o rosto como chave de entrada em serviços como aeroportos e hospitais, por exemplo.
YData - Data Democratization. Um produto que permite um acesso fácil aos dados mitigando a discriminação de pessoas ou grupos em sistemas de IA de alto risco, fazendo progressos no sentido das diretivas EU AI Act.
Foi ainda anunciada uma parceria entre a Câmara Municipal de Lisboa e o Center for Responsible AI para criar um "hub de inovação" que promova maior desenvolvimento destas e de outras ideias no âmbito deste projeto.
Na sua intervenção final, António Costa Silva afirmou que "ficou demonstrado como a IA vai ter um efeito gigantesco" em todas os setores da sociedade.
"Vai reinventar o sistema educativo, o sistema de Saúde" e muitos outros, afirmou o (ainda) governante, que encerrou o evento.