Na próxima década, os investigadores vão começar a sondar a atmosfera de pequenos planetas que orbitam estrelas próximas e que tenham a dimensão da Terra e Vénus. Embora estes dois planetas sejam semelhantes em tamanho e densidade global, as suas atmosferas nada têm em comum. A pergunta que se impõe é: será que os cientistas seriam capazes de distinguir estas diferenças à distância de anos-luz?.Como forma de responder a esta pergunta, uma equipa liderada pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) simulou que Vénus estaria noutro sistema planetário (seria um exoplaneta) e perguntou que tipo de informação poderia extrair deste facto. Para observar Vénus como um exoplaneta, a equipa analisou um raro conjunto de dados recolhidos em 2012, quando Vénus atravessou o disco do nosso Sol. “Um acontecimento análogo àquele que se dá quando as atmosferas dos exoplanetas são sondadas ao passarem em frente da sua estrela do nosso ponto de vista na Terra. Imprimem a sua presença na luz da estrela quando esta os passa a caminho da Terra. Entre as marcas estão sinais deixados por moléculas na atmosfera e que dizem aos astrofísicos de que esta é feita”, esclarece a equipa do IA, para acrescentar que “esta é uma observação tanto mais difícil quanto mais pequeno for o planeta”..Uma atmosfera violenta e letal.Os resultados da investigação encabeçada pela IA verteram para um estudo publicado em novembro último na revista Atmosphere. De acordo com informação disponibilizada pelo IA em comunicado, os resultados “provam que as técnicas que estão a ser usadas para estudar exoplanetas gigantes quentes podem ser aplicadas com eficácia àqueles com diâmetro dez vezes menor”. “Adaptámos a um corpo do Sistema Solar as técnicas sofisticadas usadas para estudar a atmosfera de mundos incrivelmente mais distantes”, refere Pedro Machado, segundo autor do trabalho, investigador do IA e professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa..O mesmo estudo “abre também caminho à identificação de marcadores que possam discriminar entre atmosferas moderadas, dominadas por nitrogénio, como a da Terra, e aquelas maioritariamente compostas por dióxido de carbono, como a atmosfera quente e violenta de Vénus”..“Devido à sua concentração de dióxido de carbono, a atmosfera de Vénus está sujeita a um efeito de estufa extremo que derrete chumbo na superfície do planeta, e a pressão atinge a do interior de garrafas de mergulho. Na verdade, é provável que uma atmosfera semelhante à de Vénus seja a primeira a ser caracterizada num exoplaneta da dimensão da Terra”, informa o IA..Trânsito de Vénus diante do Sol em junho de 2012 observado no ultravioleta com o instrumento SWAP no microsatélite PROBA-2, da Agência Espacial Europeia (ESA) -- FOTO: ESA/ROB.Uma atmosfera fácil de detetar.“As altas temperaturas intrínsecas aos planetas rochosos com uma atmosfera rica em dióxido de carbono e, portanto, sujeita a um intenso efeito de estufa, conduzem a um ambiente quimicamente ativo, com muitas transições químicas. Isto torna este tipo de atmosfera fácil de detetar”, diz Pedro Machado, também membro da direção do Consórcio Ariel e coordenador do grupo de trabalho da Ariel que liga o estudo das atmosferas de exoplanetas ao do Sistema Solar..O coautor Olivier Demangeon, do IA e da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), acrescenta que “a atmosfera de Vénus é cerca de 90 vezes mais densa do que a da Terra e é também significativamente mais quente. De tal forma que, apesar de ser mais densa, a atmosfera de Vénus é maior. Maior e mais densa implicam uma forte assinatura nas nossas observações”..“As técnicas atualmente utilizadas para estudar a atmosfera de exoplanetas são eficazes para planetas gigantes próximos da sua estrela, logo com uma atmosfera quente. No entanto, é um desafio estudar a atmosfera de corpos tão pequenos como a Terra ou Vénus”, diz o primeiro autor Alexandre Branco, estudante de mestrado no IA e na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O mesmo investigador adianta que “os alvos mais promissores estão frequentemente banhados num regime de radiação estelar como está Vénus, pelo que os ‘ExoVénus’ serão provavelmente os primeiros pequenos mundos a ter a sua atmosfera caracterizada. O nosso trabalho teve este objetivo de olhar para Vénus como se estivéssemos a olhar para um exoplaneta”..Ao aplicarem as técnicas atrás indicadas a dados do trânsito de Vénus diante do Sol, os investigadores validaram a sua futura utilização em instalações astronómicas como o Extremely Large Telescope (ELT) e a missão espacial Ariel da Agência Espacial Europeia (ESA), “projetos em que Portugal e o IA estão envolvidos”, conclui o IA..No futuro, a Ariel permitirá estudar a atmosfera de cerca de 1000 exoplanetas já conhecidos, e para isso utilizará as mesmas técnicas de observação e análise que esta equipa aplicou neste trabalho.