Os pigmentos sustentáveis de Filipe Natálio querem despoluir a indústria têxtil
Fascina-nos pela sua tonalidade azul e profunda. Entre os corantes naturais, o índigo é, desde há muito, um sedutor no mundo dos têxteis. No passado, a Índia, a China e a América Central renderam-se a este corante extraído de plantas como a Indigofera tinctoria. Entretanto, o século XIX, no seu galopar frenético da Revolução Industrial, empurrou este corante para um novo capítulo: massificou-o. Em 1865, o químico alemão Adolf von Baeyer, obteve a síntese química do índigo o que o tornou mais acessível à produção têxtil, reduziu-lhe a dependência das fontes naturais, vestiu de azul as calças de ganga. Mas também ofereceu à indústria, nas décadas seguintes, uma face da moeda menos benevolente.
Hoje, este corante tem um impacto ambiental significativo. “A indústria do tingimento têxtil é uma das principais fontes de poluição ambiental. Estima-se que uma parte significativa da poluição global da água seja causada pelos corantes e produtos químicos utilizados no processo de tingimento têxtil. Acresce que a produção consome enormes quantidades de água e energia, contribuindo significativamente para a emissão de gases com efeito de estufa”, sublinha o bioquímico português Filipe Natálio, investigador na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa. “No setor têxtil, há um dito popular que ilustra bem a realidade ambiental: ‘para saber qual será a cor da moda na próxima temporada, basta observar a cor dos rios em alguns países do Sudeste Asiático’. É uma situação preocupante”, alerta o cientista com um doutoramento sobre materiais marinhos e a sua aplicação em engenharia de regeneração óssea, na Universidade Médica Johannes Gutenberg, na Alemanha.
Foi também na Alemanha, na Universidade Martin Luther, que Filipe Natálio, hoje com 45 anos, começou a trabalhar num projeto sobre o tingimento do algodão. “Neste âmbito, realizámos a primeira demonstração, em pequena escala, da possibilidade de produzir fibras de algodão fluorescentes e magnéticas. Posteriormente, enveredei por uma nova área de investigação: a arqueologia científica, com o desenvolvimento de técnicas de inteligência artificial aplicadas à identificação de fogo em contextos arqueológicos”. Durante este período, o investigador continuou a trabalhar com plantas e algodão: “Fui distinguido com uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla inglesa), na categoria ‘Consolidator’. Atualmente, estou de regresso a Portugal, dou continuidade à investigação na área do algodão e tingimento de fibras de algodão”.
É neste contexto que Filipe Natálio recebeu recentemente uma nova bolsa ‘Proof of Concept’, da ERC, no valor de 150 mil euros, para apoiar o seu projeto BioDenim, assente num método de tingimento de tecidos de algodão, com recurso a pigmentos - nomeadamente o azul - provenientes de organismos marinhos. Isto, sem implicar a manipulação genética nem a criação de algodoeiros geneticamente modificados. “O projeto visa explorar moléculas que, ao contrário das atualmente utilizadas, não são tóxicas. Além disso, estas moléculas podem ter outras aplicações e permitem a reutilização da água utilizada no tingimento, por exemplo, para fins agrícolas”, acrescenta o cientista luso que conta no desenvolvimento do seu projeto com o apoio do CITEVE (Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e Vestuário) e da BioTrend, empresa de investigação especializada no desenvolvimento de processos biológicos.
No presente, “a procura de alternativas sustentáveis para tingir produtos têxteis é um dos objetivos das empresas do setor. O chamado Santo Graal passa por encontrar alternativas mais ecológicas e garantir que sejam economicamente viáveis, competitivas e atraentes para as empresas, para que a sua adoção leve, naturalmente, ao abandono dos métodos mais poluentes. Tem havido um esforço conjunto para encontrar soluções mais ecológicas, desde o desenvolvimento de novas moléculas até à criação de processos de tingimento mais eficientes”, enfatiza o cientista.
Voltemos ao belo e perigoso índigo: “A molécula responsável pela cor azul e o respetivo processo de tingimento ainda representam desafios no que diz respeito à redução da sua pegada ecológica. Do ponto de vista químico, a molécula que confere a cor azul - o índigo - tem uma estrutura química bem definida, o que limita a possibilidade de melhorias que aumentem, por exemplo, a sua afinidade com os têxteis. O azul é a cor mais icónica na indústria têxtil. Assim, a escolha desta cor também tem um significado simbólico para este projeto. Se correr como previsto, eventualmente partiremos para outras cores como o vermelho e o amarelo”.
Outras iniciativas semelhantes também estão em desenvolvimento, como nos conta Filipe Natálio: “Existem soluções com uma componente biológica, como é o caso da Colorifix, um projeto também financiado por fundos europeus e considerado uma história de sucesso.”
Sobre o BioDenim, “faz parte deste projeto realizar uma avaliação da viabilidade económica e do processo de escalamento para grandes produções. Temos recebido várias manifestações de interesse. No entanto, ainda estamos numa fase conceptual, pelo que, por agora, há pouco a oferecer a potenciais parceiros industriais”, conclui Filipe Natálio.