Fundado em 1869 por figuras cimeiras da cultura francesa, entre elas o escritor Victor Hugo, o jornal diário Le Rappel assumiu causas como a oposição ao império de Napoleão III, denunciou o massacre de sérvios pelo Império Otomano, ou as perseguições aos judeus na Rússia da década de 1880. A publicação que findou em 1933, também dedicou as suas páginas a minudências do quotidiano. A 7 de fevereiro de 1905, uma terça-feira, dava o Le Rappel nota de uma manifestação de funcionários do retalho, com vista ao encerramento das lojas ao domingo após o meio-dia..Na mesma página lia-se a triste sina do Sr. Charles Belamy, de 40 anos, gravemente ferido após o descarrilamento de um carro elétrico em Paris, assim como os atributos de um novo fármaco no combate à diabetes. Discreta, uma notícia de cinco linhas, inteirava o leitor de uma morte recente. A 31 de janeiro de 1905, falecera François Willème, “inventor de uma técnica que envolvia bustos e retratos”, descrevia o obituário. Nada mais. A notícia no Le Rappel omitia que três décadas antes Willème, fotógrafo, pintor e escultor francês, entregara à tecnologia da época um método inovador, precursor da impressão 3D. A partir do seu estúdio instalado na porta com o número 42 da Avenida de Wagram, o inventor nascido em 1830, na cidade de Sedan, fixou em diferentes materiais, os bustos de personalidades da época, esculpidos a partir da reprodução de fotografias. Na segunda metade do século XIX, o aparato montado no estúdio fotográfico de Willème assemelhava-se ao que de melhor a ficção científica do escritor Júlio Verne entregava à literatura..É escassa a informação sobre a vida e obra de François Willème até à data em que apresentou publicamente o invento que o ocupava havia anos. Em 1869, era formalmente apresentada a técnica da foto-escultura que, literalmente, designava a “escultura pela luz”. Na prática, através de duas operações sucessivas, passava a ser viável reproduzir uma escultura de um modelo vivo ou inanimado a partir da fotografia. Disso mesmo dava nota um artigo publicado a 15 de dezembro de 1866 no jornal Le Monde. Uma notícia que rejubilava com a foto-escultura: “produzir uma estátua imperecível através da luz em vez de uma imagem fugaz, que sucesso!”..Entrar no estúdio de Willème era motivo de espanto. Súbito, a Paris de 1860 cedia o lugar a uma enorme sala transbordante de luz solar, ricamente decorada com estatuária. Todo o aparato tecnológico do século XIX convergia para o centro de uma arena com dez metros de diâmetro. Ali se dispunha o modelo a ser reproduzido em barro, depois transposto para mais nobres materiais, como o bronze. Sobre o laboratório de François Willème dava nota a Revue Photoghraphique em 1863: “O modelo posa no centro de uma oficina circular, em torno da qual estão dispostas, a distâncias iguais, 24 lentes que dão as sucessivas silhuetas que o olhar captaria ao girar em torno do modelo..Concluído este primeiro trabalho, cada impressão é colocada sucessivamente num aparelho amplificador e projetada num vidro fosco. É aqui que começa o trabalho do pantógrafo. Enquanto o operador acompanha com uma das pontas deste instrumento todos os contornos exteriores e interiores da imagem ampliada, a outra ponta reprodu-la de forma idêntica no barro colocado sobre um prato giratório”. Um processo que cativou a sociedade parisiense e que levou a invenção de Willème ao maior palco montado na capital francesa, a Exposição Universal de 1867, erguida em honra do Segundo Império Francês..Ali, onde ao longo de sete meses desfilaram perto de dez milhões de visitantes, foi montada uma cópia da oficina de Wagram. Aos estrangeiros que visitavam a mostra era-lhes dirigido o convite para terem o seu busto talhado a partir da foto-escultura. Um sucesso no certame internacional que replicava aquele que François Willème experimentava no seu estúdio. Entre os clientes do inventor estavam, o empresário Charles de Morny, o político Sosthène II de La Rochefoucauld e o diplomata Ferdinand de Lesseps. Uma empatia pelo novo processo escultórico que não era partilhada por escultores entre outras personalidades da cultura da época. O escritor Alexandre Dumas reprovou a foto-escultura e jurou demolir o seu “templo”..Conta-se que o autor do romance O Conde de Monte Cristo, listou todas as estatuárias de Paris e perguntou a cada uma quanto tempo demorariam e esculpir-lhe o busto. Respondeu-lhe a primeira oficina, “seis meses”. Respondeu-lhe a décima oficina, “três meses”. Respondeu-lhe a sexagésima sétima oficina, “duas horas”. “Oh, progresso”, terá lançado Dumas, de acordo com as palavras do jornalista Georges Maillard, no jornal Le Figaro, em julho de 1867. Nesse mesmo ano, Willème encerrou o seu estúdio na Avenida de Wagram. A torrente de novas tecnologias que inundavam o século XIX ditou o definhar rápido da fotoescultura. Ainda antes do século XX, nascia a fotosteria (photostérie, no original), uma técnica de realce de fotos que lhes conferia um relevo semelhante a uma escultura. François Willème obliterou-se da esfera pública. Do seu trabalho resta atualmente alguma estatuária e a memória escrita de quem visitou o seu estúdio. Como a do poeta e crítico literário Théophile Gautier que sobre a foto-escultura escreveu, “é um olho maravilhoso que vos rodeia e envolve”.