Nobel distingue química "pura e dura" que mudou a produção de medicamentos

Júri galardoou descoberta com 20 anos, que tornou processo de síntese química mais rápido e mais barato e que "já deu muito à humanidade"

Benjamin List é um químico alemão, diretor do Instituto Max Planck para Pesquisa de Carvão e professor de Química Orgânica na Universidade de Colónia. David MacMillan é um cientista britânico, nascido na Escócia, e a lecionar na Universidade de Princeton, nos EUA. Eram os dois muito jovens, na casa dos 30 anos, quando tiveram "excelentes ideias" que, de forma diferente e a trabalharem individualmente, os levaram à descoberta de como era possível acelerar o processo de síntese química através da construção de moléculas. Uma descoberta que lhes valeu o Prémio Nobel da Química aos 53 anos.

List e MacMillan descobriram "uma alternativa ou, se quisermos, um complemento, aos dois ramos de catálise já existentes, o de metais e de enzimas. Eles descobriram a "organocatálise assimétrica", a produção de reações químicas mais rápidas, menos complexas e até mais baratas, explicou ao DN a investigadora portuguesa, Rita Ventura, do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB), que trabalha na mesma área do que os agora galardoados. "A descoberta de List e de MacMillan foi uma revolução na indústria farmacêutica, porque revolucionou a produção de medicamentos, tornando-a mais rápida, ao mesmo tempo que a tornou também mais verde, mais amiga do ambiente."

Para Rita Ventura a atribuição do Nobel a esta descoberta deixou-a muito contente, sobretudo porque são dois cientistas que fazem "química pura e dura". "Eram os dois muitos novos e fizeram a sua carreira à base desta descoberta, a organocatálise assimétrica, que é uma área com muito potencial".

A investigadora explica o que há de interessante nesta descoberta e no seu processo. "Os dois cientistas tiveram sucesso com esta ferramenta, a organocatálise, embora com abordagens diferentes. Eles pensaram: em vez de se usar uma molécula muito grande, porque não usar uma muito pequenina, com os átomos necessários para promover o mesmo tipo de transformações químicas?", refere, acrescentando: "Benjamin List trabalhava com enzimas, e verificou que apesar de as enzimas serem muito grandes, só uma pequena parte é que produzia reação. E decidiu experimentar um aminoácido muito pequeno, a prolina, e foi bem-sucedido. Portanto, a organocatálise é a catálise por moléculas pequenas orgânicas sem metais, o que é uma vantagem, não origina resíduos tóxicos, o que a nível industrial foi uma grande revolução".

David MacMillan, por seu lado, inspirou-se nos catalisadores metálicos, que tinham o problema de serem muito caros, e ele pensou: porque não tirar o metal do catalisador e introduzir grupos de moléculas que mimetizassem a transferência de eletrões e que produzissem a mesma reação? "Também foi uma excelente ideia", diz Rita Ventura. "O que é interessante é que uma ideia muito simples, que ninguém tinha pensado antes, resultou numa descoberta fundamental para o nosso dia-a-dia. A partir daqui surgiram muitos e diferentes catalisadores e muitos grupos a trabalhar a área da organocatálise, incluindo nós, ITQB, porque, de facto, é uma área que tem muitas vantagens."

List e MacMillan desenvolveram um terceiro ramo da catálise, um processo sem o qual não haveria reações químicas. Antes, havia duas áreas de catálise tradicionais, com metais e com enzimas, e o que estes químicos desenvolveram foi uma alternativa ou um complemento, um terceiro ramo, a organocatálise. "A catálise é o processo que acelera as reações químicas, se não usássemos um catalisador estas reações duravam dias e dias ou não ocorriam de todo. O uso do catalisador veio permitir que haja uma reação química muito mais eficiente", afirma Rita Ventura.

A descoberta de há 20 anos foi adotada sobretudo pela indústria farmacêutica, permitindo que o processo de síntese química seja menos complexo, mais rápido e mais barato. "Esta descoberta veio permitir que a produção de síntese de compostos, que levava muito tempo e que era muito cara, seja agora muito mais fácil, veio facilitar imenso o processo industrial, mostrando-se essencial para a produção de medicamentos e de pesticidas, mas sobretudo na produção de medicamentos, que não só facilitou este processo, como o tornou mais verde, porque as moléculas mais pequeninas não produzem resíduos tóxicos", sublinha.

Benjamin List, quando recebeu o telefonema do secretário-geral da Real Academia das Ciências sueca, Goran Hansson, não queria acreditar, confessando: "Foi uma enorme surpresa", que não esperava receber, admitindo que, de início, pensou que o conceito pudesse ser apenas "uma ideia parva" até verificar que funcionava.

O júri do prémio justificou o Nobel aos dois cientistas por estes terem "afinado um terceiro tipo de catalisador, a organocatálise assimétrica", um domínio que se desenvolveu "com uma rapidez prodigiosa, desde então". "Os catalisadores são substâncias que controlam e aceleram as reações químicas mas que não figuram no seu produto final e constituem ferramentas fundamentais na química", explica ainda o júri do Nobel da Química, considerando que a descoberta "já beneficiou grandemente a humanidade".

A cientista portuguesa diz esperar que a atribuição deste Nobel possa trazer a descoberta de outros catalisadores, com novos mecanismos de ação, mas, acima de tudo, considera que este prémio veio mostrar "o lado puro e duro da química, que é uma ciência que tem sido posta de lado, não é uma ciência da moda".

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