Chama-se Zarco, em homenagem ao navegador, que, no princípio do século XV, chegou ao arquipélago da Madeira, reivindicando a sua descoberta e sujeição à coroa de Portugal. Mas este Zarco, embora também prefira o elemento marítimo, não obedece às ordens de monarcas: Trata-se de uma cria de foca-monge do Mediterrâneo, habitante das águas das ilhas Desertas, também conhecidas por lobo marinho, o que justifica a designação da vila de Câmara de Lobos, outrora muito visitada por estes animais. No final deste Verão, o pequeno Zarco foi apadrinhado pelo hotel Reid’s Palace, como símbolo do empenhamento desta histórica instituição (foi fundado pelo escocês William Reid há mais de 130 anos) na preservação da biodiversidade marítima ainda existente nesta região do Atlântico Norte..Tal apadrinhamento traduz-se numa parceria com o Instituto de Florestas e Conservação da Natureza (IFCN), para a realização de ações de divulgação e sensibilização junto dos hóspedes e funcionários do hotel, e ainda da aquisição de alguns equipamentos dedicados ao programa VECLAM - Vigilância do Estado de Conservação do Lobo-marinho, nomeadamente material fotográfico e informático para a monitorização da espécie. De salientar que o programa regional de conservação destes animais na Madeira se iniciou nos anos 1980, permitindo que esta comunidade tenha passado dos oito indivíduos, então existentes no Arquipélago, para os atuais 30, incluindo as cinco crias (como o Zarco) nascidas no Verão passado..Apesar destes sinais animadores, “a ameaça de extinção ainda paira sobre esta espécie”, como nos diz o norte-americano Andy Mann, fotógrafo e documentarista da National Geographic, já nomeado para os Emmys e vencedor dos Telly Awards em 12 ocasiões. “Sabemos que, no total, existirão uns 700 indivíduos desta espécie no mundo inteiro, mas temos de atuar rapidamente.” Nascido no estado do Alabama, onde se apaixonou irremediavelmente pelo mar, Andy não hesita em afirmar que chegámos a um ponto crítico: “Os oceanos estão a morrer. Todos eles estão a perder biodiversidade muito mais depressa do que os cientistas esperavam. O comum dos cidadãos não se apercebe disto porque tudo acontece abaixo da superfície do mar. Por isso, o meu papel é mostrar-lhes o que se passa, contar-lhes essas histórias silenciosas.”.Andy Mann..Como foi percebendo ao longo da última década, quando começou a trabalhar para a National Geographic Magazine (com uma reportagem na designada Terra de Francisco José, no Ártico russo), as dificuldades e as resistências são muitas: “O oceano é o primeiro ecossistema que deveríamos preservar, mas não é fácil lidar com alguns pequenos Estados, alguns deles insulares, que não têm qualquer tipo de política reguladora de preservação nem capacidade para a impor. É um processo lento, mas o planeta não tem esse tempo. “ .Uma das principais dificuldades, explica-nos, está relacionada com a necessidade de demonstrar as vantagens da proteção às comunidades locais: “Muitas vezes proteger a biodiversidade representa alterar as atividades económicas destas populações, limitando a pesca ou a extração subaquática, o que tem custos, não só em termos de rendimento, mas também culturais. Muitas daquelas pessoas querem trabalhar com os mesmos métodos que aprenderam com os pais e com os avós. É difícil fazê-los abandonar esse legado, mesmo que seja para um bem maior.”.No entanto, Andy consegue apontar alguns exemplos de países que recentemente conseguiram aumentar a extensão da sua área de águas protegidas. Entre eles estão o Panamá, República Dominicana ou Chile. Em breve, deslocar-se-á a Timor-Leste, para colaborar com o governo daquele país lusófono, cujas costas apresentam uma taxa de biodiversidade única no mundo, e mostra-se muito esperançoso de chegar a um entendimento..Andy Mann apaixonou-se pelo mar ainda criança, como vimos, e o seu primeiro impulso, diz, “era proteger os lugares que amava.” No Colorado, para onde se mudou na juventude e onde ainda vive, a paisagem mudou e ele voltou a empolgar-se, desta feita com as montanhas e com a escalada. Autodidata em cinema e vídeo, trabalhou durante anos para uma grande empresa, que realizava documentários em torno de aventuras radicais. Uma experiência que diz ter-lhe sido valiosa: “Posso dizer que estive em lugares muito selvagens, com pessoas muito corajosas, em toda a parte do mundo.” Mas há cerca de dez anos, quando trocou este trabalho pela National Geographic, começou a sentir que tinha também uma missão: “Hoje, de um modo bastante global, as pessoas vivem numa bolha, curvadas sobre os seus telefones, e eu quero mostrar-lhes como o mundo real é fantástico e nos permite viver grandes aventuras.”.Foto: Andy Mann.Interrompemos por momentos a conversa, feita no barco que nos conduz da Ponta de São Lourenço, na Madeira, às Desertas, porque avistamos um grupo de baleias-piloto. O entusiasmo é geral. A situação inesperada e a alegria quase infantil que ela desperta reforça o ponto de vista de Andy Mann: “De maneira geral, perdemos a capacidade de encantamento que tínhamos em crianças. Quando conto estas histórias, quero que as pessoas recuperem um pouco desse sentimento. Só assim se sentirão envolvidas na importância desta luta.” .A convite do Reid’s Palace, Andy apresentou uma exposição com as suas melhores fotografias subaquáticas, captadas no mar das Desertas, e dinamizou várias atividades no âmbito da primeira edição da Ocean Week, promovida por este hotel entre 21 e 27 de outubro. Nada lhe poderia agradar mais, admite. Compara as Desertas às ilhas Galápagos, no Pacífico, “pela beleza e pelo estado selvagem em que ainda estão.” E sente que esse amor lhe foi correspondido porque as imagens que nos dá a ver, em que brilham as fotogénicas focas monge, foram captadas em apenas duas horas de mergulho: “Apareceram três muito rapidamente, muito amistosas, o que não é muito habitual. São animais tímidos.”.As águas territoriais portuguesas são, aliás, velhas conhecidas de Andy, que se estreou nos Açores, a convite da Fundação Oceano Azul. É também por isso que se mostra “muito feliz e entusiasmado”, com a recente aprovação, pelo Governo regional, do estatuto de área protegida a 30% do mar que circunda o arquipélago, numa extensão de 287 mil quilómetros quadrados, o que transforma a zona na maior rede de áreas marinhas protegidas do Atlântico Norte. “É muito importante que se tenha tomado esta decisão e espera-se que ela possa inspirar outros Estados, sobretudo os insulares, a tomar posições semelhantes.”.As focas-monge, única espécie de foca existente no nosso país, habitam mar aberto durante os períodos de deslocação entre ilhas e em redor das ilhas. Embora possam mergulhar até aos 400 metros, utilizam ainda zonas de baixa profundidade junto à costa, costas rochosas com falésias em que existam grutas e praias de calhaus rolados ou areia, o que torna as Desertas um habitat de excelência para elas. É uma das maiores focas que existe e pode atingir os 3 metros e os 350 kgs. Quando nascem têm cerca de um metro, 15 kgs e são negras, podendo atingir uma longevidade de 25 anos. .As principais ameaças a esta espécie são a caça acidental através das redes de pesca e a degradação das praias onde as progenitoras têm as suas crias. Para a sua escassez contribui ainda o facto de cada fêmea só conseguir dar à luz uma cria por ano. Sendo uma espécie protegida pela legislação portuguesa, funciona nas Desertas um hospital-abrigo para as crias que se perdem das mães durante as tempestades marítimas, promovida pelo programa VECLAM - Vigilância do Estado de Conservação do Lobo Marinho no Arquipélago da Madeira, coordenado pelo Instituto de Florestas e Conservação da Natureza. Entre as suas funções, conta-se a monitorização da população de focas-monge, melhorar os seus habitats naturais e avaliar as ameaças à sua sobrevivência..No âmbito da semana dedicada aos oceanos e sua preservação, o Reid’s iniciou um programa de viagens guiadas às Desertas para avistamento dos lobos-marinhos, mas também para visita das grutas e cavernas naturais com um guia especializado. Segundo anunciou o Grupo Belmond, 20% dos lucros destas expedições, que custam 600 euros por pessoa, reverterão para o financiamento das atividades do VECLAM.