No final da década de 1940, início da década seguinte, um novo mineral, a trinitita, era comercializado em peças de joalheria na América do Norte. Em 1953, a Comissão de Energia Atómica dos Estados Unidos ordenou o fim da prospeção de trinitita. Próximo à cidade de Alamogordo, no estado do Novo México, uma cratera com três metros de profundidade e 330 metros de diâmetro servia de fonte abundante do novo mineral. Ali, em julho de 1945, e experiência Trinity escavara o solo desértico sujeito ao impacto de uma bomba de plutónio. A explosão traçou a fronteira de um novo tempo, a Era Atómica. Sobre o deserto, ergueu-se o cogumelo atómico a 12 quilómetros de altitude. A onda de choque subsequente soprou a 160 quilómetros de distância..Na zona da detonação, o solo rico em sílica, exposto a temperaturas extremas, fundiu-se num vidro de cor verde-claro. Em breve, a trinitita daí resultante, moderadamente radioativa, passeava-se ao pescoço de cidadãs norte-americanas. A arma que ainda nesse verão levaria a morte à cidade japonesa de Nagasaki, tinha a sua estreia no Campo de Teste de Mísseis de White Sands, o maior dos Estados Unidos. Um território de 8300 Km2 (por comparação, o Algarve conta com cerca de 5000 Km2) que, ainda na década de 1940, viria a servir os propósitos da exploração espacial..Num tempo em que Estados Unidos e a União Soviética se digladiavam na conquista das estrelas, um inseto de características singulares, tornar-se-ia o primeiro ser vivo a conquistar altitudes suborbitais. Em julho de 1946, um foguete V2 elevou-se algumas dezenas de quilómetros nos céus do Novo México. A bordo viajava uma inesperada equipa. Um grupo de Drosophila melanogaster, comummente conhecida como mosca-da-fruta ou mosca-do-vinagre, conquistava o estatuto de primeiro organismo vivo e senciente a subir a grandes altitudes. Os insetos, com três milímetros de comprimento e distribuídos em todos os continentes, testavam as reações à radiação cósmica, assim como o comportamento em microgravidade. Isto, antevendo futuros voos espaciais entregues a humanos. Nos anos seguintes, símios (Albert II, um macaco rhesus, em 1949), roedores (um rato, em 1950), canídeos (Tsygane e Dezik, em 1951), e outros animais de maior porte serviriam os projetos de conquista espacial..Projetos espaciais que viajavam distantes do ano de 1783, quando os franceses irmãos Montgolfier enviaram para as nuvens, a bordo de um balão de ar quente, uma ovelha, um pato e um galo. Por seu turno, os primeiros voos suborbitais a partir de White Sands elevavam-se à boleia de material militar herdeiro da Segunda Guerra Mundial. Após o conflito, cem foguetes V2 alemães de longo alcance, capturados pelas tropas dos Estados Unidos, tiveram como destino as areias do Novo México. Entre 1946 e 1951, 67 destes foguetes serviram propósitos espaciais. A 20 de fevereiro de 1947, um grupo de moscas-da-fruta fazia história ao alcançar uma altitude suborbital e regressar incólume à Terra. O voo durara três minutos..O interesse científico dos humanos pelas minúsculas Drosophila melanogaster recua ao início do século XX. Apesar do genoma desta mosca ser 25 vezes mais pequeno do que o dos seres humanos, apresenta significativas semelhanças com estes últimos. Acresce que o ciclo de vida do inseto é muito rápido (50 dias do ovo à morte), a prole é numerosa e, geneticamente, trata-se de uma espécie simples, com apenas quatro cromossomas. Atributos que levaram o zoólogo e geneticista norte-americano Thomas Hunt Morgan, ainda em 1907, a estudar a pequena mosca e, com isto, a estabelecer muitos dos princípios básicos da hereditariedade..A partir da sua “sala das moscas”, na Universidade de Columbia, Morgan gerou um exército de dez milhões de insetos, correspondendo a cem gerações. À Drosophila melanogaster chamou Morgan um “milagre médico”. Um “milagre” que contribuiria para o Prémio Nobel da Medicina entregue a Thomas Morgan em 1933, pelas suas descobertas sobre o papel desempenhado pelo cromossoma na hereditariedade. É em 1935 que a mosca-da-fruta inicia as suas viagens acima das nuvens. Nesse ano, os militares e balonistas norte-americanos Albert Clevens e Orvil Anderson, subiram na gondola Explorer II a mais de 23 quilómetros de altitude. A bordo do balão com tecnologia de ponta viajavam moscas-da-fruta. O mesmo se repetiria em 1953 e, mais tarde, em 1956. Balões não tripulados alcançavam os 35 quilómetros de altitude com ratos, porquinhos-da-índia, fungos e as ‘experientes’ moscas-do-vinagre a bordo. Em 1958, um balão tripulado alcançaria os 25 quilómetros de altitude. Pela primeira vez um voo estratosférico mimetizava as condições de pressurização em ambientes ao nível do mar. A mosca-do-vinagre reiterava nos seus recordes espaciais..A partir da década de 1970, vozes críticas apertavam fileiras às investigações com moscas-da-fruta fora das fronteiras terrestres. Os insetos sujeitos às condições no espaço viviam menos tempo, as asas apresentavam danos, e apresentavam mutações genéticas. Já em 2017, um estudo conduzido por cientistas do Sanford Burnham Prebys Medical Discovery Institute concluiu que os corações das moscas-da-fruta que viveram no espaço por várias semanas eram anatomicamente diferentes daquelas que permaneceram na Terra. Hoje, a Drosophila melanogaster mantém o seu estatuto de inseto “fetiche” nos estudos preliminares sobre viagens espaciais em organismos terrestres. É também um alerta das condições extremas enfrentadas pelo corpo humano em futuras colónias na Lua ou em Marte.