Hera. A missão europeia de defesa espacial leva tecnologia portuguesa para lá de Marte
É descrita como “a primeira missão de defesa planetária” da Agência Espacial Europeia (ESA). O destino final da Hera é a mais de 177 mil quilómetros da Terra, entre Marte e Júpiter, no asteroide binário 65803 Didymos, que é orbitado por um mais pequeno, Dimorphos.
Este satélite natural é o único corpo celeste, até agora, a ser desviado de forma deliberada pela ação humana. Tudo remonta a 2021, quando a NASA lançou a missão DART (Double Asteroid Redirection Test, ou Teste de Redireção de um Asteroide Duplo), que viria, um ano mais tarde, a levar uma nave espacial a despenhar-se, de forma propositada, no asteroide, que é apenas um de entre os mais de 1,3 milhões que se conhecem atualmente.
É isto a que a Hera, agora, quer dar continuidade. Uma vez em Dimorphos - onde deverá chegar em 2026 - a nave espacial vai estudar o pós-impacto da sonda DART na superfície do asteroide, percebendo se a alteração de órbita de forma deliberada pode ser um mecanismo de defesa terrestre. Além disso, irá recolher informação sobre a massa e composição daquele corpo, bem como perceber se foi ou não fragmentado após a missão de há dois anos, que conseguiu reduzir o período orbital do asteroide em cerca de 33 minutos, lançando também uma série de destroços pelo espaço.
Richard Moissl, chefe do departamento de Defesa Planetária da ESA, explica que “a capacidade da Hera em estudar a trajetória do asteroide” é “exatamente” aquilo que é necessário para ter “uma defesa planetária operacional”, uma vez que Dimorphos é considerado um “protótipo” daqueles que, putativamente, poderão ser um risco. Assim, a extinção em caso de colisão de um corpo celeste com a Terra passaria a ser um risco mais reduzido.
Mas antes de chegar a Didymos, a Hera terá ainda um papel importante: um voo orbital em Marte, praticamente considerado como uma missão secundária. Se tudo correr como o previsto, será feito em março de 2025 e tem como objetivo ganhar um impulso extra, acelerando para chegar ao destino final, uma vez que a energia inicial não é suficiente para alcançar um alvo tão longínquo. Quando estiver junto do planeta laranja, a Hera irá realizar dois voos dentro das órbitas das luas que o orbitam, Deimos e Fobos, o que lhe permitirá fazer observações científicas e recolher informação importante sobre os dois satélites naturais.
Este encontro, explica Michael Kueppers, cientista da missão Hera, “não é parte da missão nuclear, mas existirão vários instrumentos ativos. É uma oportunidade de os calibrar e de, potencialmente, fazer descobertas científicas importantes”.
Nave conta com equipamento português a bordo
Enquanto Estado-membro da ESA, Portugal contribuiu, em 2019, com 2,8 milhões de euros para a missão (que custo, no total, 363 milhões). No entanto, a participação nacional não acaba aqui.
Lançada esta segunda-feira do Cabo Canaveral, no estado americano da Florida, a bordo de um foguetão Falcon 9, da Space X, a missão conta com alguns instrumentos portugueses, produzidos por algumas empresas, nomeadamente a Efacec, a GMV, a FHP ou a Tekever, que, ao DN, explicou qual o papel que desempenha.
No caso concreto da Tekever - envolvida na Hera desde 2018 -, a empresa “desenvolveu o sistema de comunicações” inter-satélite, que permite aos três que compõem a missão comunicarem entre si, tal como saber qual a distância a que estão uns dos outros. Esta é, aliás, uma parte inovadora da missão, ao ter dois satélites mais pequenos que comunicam com um maior. Isto só é possível com este sistema desenvolvido pela empresa.
Esta solução é “baseada no software de rádio Gamalink, que já vinha a ser desenvolvido para missões anteriores”. E para poder adaptar “o protocolo de comunicações para suportar uma rede com três plataformas”, a empresa, explica, teve de desenvolver “um sistema de testes que permitisse recriar a topologia da missão e validar o desenvolvimento de software, mesmo após a entrega dos modelos de voo”.
Até 2026, serão ainda feitas experiências com o sistema de comunicações, para “permitir determinar posições e velocidades relativas entre os satélites, com alta resolução, que poderão dar início a um novo conjunto de missões científicas no futuro.”