Há 31 anos nasciam os prémios Ig Nobel, a homenagem anual à ciência caricata
Ao longo das décadas de 70 e 80, o médico japonês Chonosuke Okamura inscreveu-se como orador em congressos de paleontologia no seu país natal, sem, contudo, alcançar a luz dos palcos. Amador da ciência que estuda as transformações geológicas do planeta nas suas relações com o biológico, Chonosuke Okamura alcançara estatura de figura pública, embora não acarinhada pela comunidade científica. Das montanhas de Kitakami, o aspirante a paleontólogo retirara rocha calcária de camadas geológicas do período Siluriano, há 425 milhões de anos, um mundo povoado por invertebrados. Onde a ciência discernia grãos minerais e fósseis minúsculos de foraminíferos (animais de concha), assim como fragmentos de corais, Okamura encontrou todo um catálogo natural. Um "livro" escrito no calcário capaz de identificar formas de vida tão díspares como humanos (a que apelidou Homo sapiens miniorientalis), dinossauros, cães, dragões, cavalos e patos, coexistindo num mesmo tempo. Na fantasia natural do nipónico, detalhada em relatórios como o Original Report of the Okamura Fossil Laboratory, de 1977, repousavam as explicações para aquilo que acreditava serem os fósseis de minúsculos representantes das espécies atuais animais e vegetais. "Não houve mudanças nos corpos dos humanos desde o período Siluriano [...], exceto um crescimento em estatura, de 3,5 mm para 1700 mm", aponta o trabalho de Okamura. O laboratório fóssil de proporções milimétricas do médico japonês permitiu-lhe inferir não só a escala liliputiana da vida no passado, como também ali encontrar manifestações dos primórdios da civilização humana, expressas na ética do trabalho e nas crenças teológicas. Chonosuke deixara-se dominar pela pareidolia, ou seja, em síntese, a manifestação psicológica que agrupa diferentes estímulos visuais ou auditivos em padrões familiares, como aquele que discernimos nas formas das nuvens.
No seu caso, o universo de criaturas mínimas que percebera na rocha valeu-lhe um prémio póstumo em 1996. Não era, contudo, o galardão de reconhecimento científico que o japonês ambicionava. Em meados da década de 90, a teoria de Okamura recebeu o prémio Biodiversidade, naquela que foi a sexta edição dos Ig Nobel, a cerimónia paralela aos Nobel que, desde 1991 e até ao presente, destaca "as conquistas incomuns ou triviais na investigação científica". No ano em que o nome de Okamura foi anunciado em palco na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, com honras de transmissão televisiva, o presidente francês Jacques Chirac também recebia um Ig Nobel, o da Paz. Como referiam na época os promotores do galardão, Chirac "comemorara o cinquentenário do ataque nuclear a Hiroxima com testes de bombas atómicas no Pacífico".
Os prémios satíricos atribuídos pela comunidade científica, fundados pelo matemático norte-americano Marc Abrahams e organizados pela revista científica de humor Annals of Improbable Research (disponível para consulta online), contam com o lema "honra às conquistas que primeiro nos fazem rir, para depois nos fazerem pensar". Distinções entregues anualmente por laureados com os prémios Nobel, a que se seguem palestras públicas dos distinguidos nas diversas categorias. Uma destas categorias, a da Literatura Científica, recordava, em 1996, a polémica que assaltara nesse mesmo ano o mundo académico protagonizada pela revista Social Text, naquele que ficou conhecido como o "caso Sokal". Alan Sokal, professor de Física na Universidade de Nova Iorque e no University College of London, submeteu um artigo científico à publicação. O trabalho, intitulado Transgredindo as Fronteiras: Rumo a uma Hermenêutica Transformativa da Gravidade Quântica, não devia à ciência a seriedade que o título subentendia. Alan Sokal falseara os resultados deste seu trabalho na tentativa de expor a falta de rigor intelectual da Social Text e de quem a editava. No dia da publicação do artigo, revelou o embuste na revista norte-americana Lingua Franca. Seguiu-se-lhe um acalorado debate, que transpôs as portas da academia. Para os organizadores do Ig Nobel, o galardão entregue à Social Text justificava-se "por publicar avidamente pesquisas que os editores não conseguiam entender".
Numa história que se alonga por três décadas, os prémios satíricos contam com um galardoado que acumula ao Ig Nobel do ano 2000, na categoria de Física, distinção análoga nos Nobel de 2010. Andre Geim, nascido na Rússia, naturalizado holandês, destaca-se, a par do russo Konstantin Novoselov, na descoberta das propriedades do grafeno. No início do século XXI, as pesquisas de Andre Geim sobre levitação magnética de rãs vivas não fariam adivinhar que a investigação em torno de um novo material mais forte do que o diamante, condutor de calor e flexível quando misturado com plástico lhe garantiria o principal galardão das ciências.
Tal como nas três décadas anteriores, a cerimónia dos Ig Nobel entregou, a 15 de setembro de 2022 (a cerimónia antecede o anúncio dos Nobel), 10 galardões a investigações tão diversas quanto o fundamento para o comportamento natatório dos patos (categoria Física), o porquê da paixão de sincronizar os ritmos cardíacos dos enamorados (categoria Cardiologia), uma teoria matemática que explica o sucesso dos indivíduos com mais sorte face aos mais talentosos (categoria Economia) e um estudo que se detém na higiene intestinal dos maias, sustentado em cenas retratadas em antigas cerâmicas (categoria História da Arte).
Uma generosa dose de excentricidade tem acompanhado os Ig Nobel desde a primeira edição. Em 1991, o médico imunologista francês Jacques Benveniste, correspondente da revista Nature, foi agraciado com o galardão da Química pela controversa descoberta, em 1988, da "memória da água", a capacidade de este líquido reter propriedades de substâncias que nele estiveram diluídas no passado, conceito transposto para a homeopatia. Um início de década de 90 profícuo em contributos para o Ig Nobel. Um deles o de Erich von Däniken, teórico da conspiração, escritor e arqueólogo suíço, autor profícuo, celebrizado pela obra Eram os Deuses Astronautas? (1968), livro que esmiuçava a influência de ancestrais visitantes de outros mundos na fundação da civilização terrestre. Erich von Däniken arrecadou o Ig Nobel na categoria Literatura. De olhos postos na Terra e menos em fantasias interestelares, o prémio Literatura, em 2022, foi entregue a um trio de investigadores pelo seu contributo para o esclarecimento de uma questão que há muito reside nas preocupações de muitos humanos: "porque são os contratos difíceis de compreender?".
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