Eventos extremos vão ser cada vez mais frequentes: ondas de calor, secas prolongadas, tempestades mais fortes são exemplos.
Eventos extremos vão ser cada vez mais frequentes: ondas de calor, secas prolongadas, tempestades mais fortes são exemplos.Reinaldo Rodrigues

Falhanço global. 2024 foi o ano mais quente de sempre e o primeiro a não cumprir Acordo de Paris

Num evento inédito na história, seis das principais entidades de monitorização do clima na Terra concertam divulgação de dados, com destaque para “condições excecionais” que o ano passado apresentou.
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O ano de 2024 foi o mais quente já registado na história do Planeta Terra e o primeiro em que a temperatura média global ficou 1.6ºC acima das medições da era pré-industrial. Isso significa que o objetivo do Acordo de Paris, tratado assinado em 2015 por mais de 170 países que pretendia limitar o aquecimento global abaixo de 1.5ºC por ano, acaba de falhar oficialmente.

Os dados, conhecidos esta sexta-feira (10), são do relatório anual Global Climate Highlights, do Serviço de Alterações Climáticas (C3S) do Centro Europeu para as Previsões Meteorológicas a Médio Prazo (ECMWF) do Copernicus, sistema que executa o programa de observação da Terra da UE. Num evento inédito, outros cinco serviços de monitorização do clima juntaram-se para concertar as divulgações de suas análises com as do programa europeu, nomeadamente: dos Estados Unidos, a agência espacial NASA, a Administração para os Oceanos e Atmosfera (NOAA), a fundação Berkeley Earth, além da Organização Meteorológica Mundial e do Serviço de Meteorologia do Reino Unido. O esforço é para alertar sobre a gravidade da situação. “Todos os conjuntos de dados de temperatura global produzidos internacionalmente mostram que 2024 foi o ano mais quente desde que os registos começaram em 1850”, disse Carlo Buontempo, diretor do serviço europeu, em conferência de imprensa. São “condições excecionais”, informa o relatório, que “não são as nossas opiniões pessoais, nem são cálculos de modelos complexos, são basicamente provas baseadas em milhões de observações que, mais uma vez, dizem-nos, inequivocamente, que o clima continua a mudar”, reforçou o diretor.

Impactos

Este cenário continua a agravar-se pelos motivos conhecidos há décadas: a acumulação de gases com efeito de estufa na atmosfera. “À medida que estes gases continuam a permanecer na atmosfera, as temperaturas continuam a aumentar, incluindo no oceano, os níveis do mar continuam a subir e os glaciares e as camadas de gelo continuam a derreter”, explicou Samantha Burgess, líder para o clima no serviço europeu, aos jornalistas, a destacar que as concentrações destes gases estão com os níveis mais altos alguma vez vistos. Quando se fala do metano, que é gerado pela decomposição de matéria orgânica, como a que acontece nos aterros de lixo, o nível atual é o mais alto dos últimos 800.000 anos. Já quando se trata do dióxido de carbono, que é emitido, principalmente, pelo uso de combustíveis fósseis - petróleo, carvão e gás natural - nas atividades humanas, o acumulado ultrapassa tudo o que se viu em mais de dois milhões de anos. O dióxido de carbono, também chamado de gás carbónico (CO2) é o grande culpado do aquecimento global.

As consequências são as que se sofrem com cada vez mais frequência, os chamados eventos climáticos extremos. “A física por trás disso é muito clara. Um clima global quente produz eventos extremos mais frequentes e intensos, como ondas de calor. A nossa atmosfera também retém mais humidade, o que resulta em chuvas mais intensas, enquanto mares mais quentes amplificam o potencial de tempestades destrutivas. Este entendimento científico é muito sólido e foi reforçado por milhões de observações e pesquisas precisas”, explicou Carlo Buontempo.

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O que vem por aí

Segundo os especialistas, a Europa tem sido mais afetada. “A título de comparação, 2024 foi também o ano do mar mais quente alguma vez registado na Europa, com uma temperatura média de 1,47ºC acima do mesmo período de referência de 1991 a 2020. Isto mostra que o nosso continente é particularmente afetado pelas alterações climáticas, aquecendo duas vezes mais rapidamente do que a média global nas últimas décadas”, afirmou Mauro Fachinni, chefe de observação da Terra na Comissão Europeia. Já o diretor do serviço também alertou para o facto de a zona do Mediterrâneo, em especial, estar mais exposta aos eventos extremos, com recordes de temperaturas em Espanha e Itália. “Podemos esperar mais seca prolongada e chuvas mais intensas, como as que vimos em Valência”, disse Carlo Buontempo.

A situação é clara e pede ações urgentes. Os especialistas também destacaram que os efeitos das alterações climáticas sentidos pelas pessoas vão ser cada vez piores, tornando-se mais ameaçadores à vida humana a cada dia que passa. O que é preciso então para travar - num primeiro momento - e, quem sabe, reverter, este quadro? “No lugar de sentirmo-nos cansados, é hora de agir. Temos factos e evidência”, afirmou o diretor europeu. Entretanto, o poder de ação de cada um é limitado, pelo que é preciso exigir políticas oficiais de combate a este cenário. “Se a meta é estabilizar a nossa temperatura, precisamos de atingir a neutralidade carbónica”, completou.

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