Maria João Bebianno, docente na Universidade do Algarve, doutorada em Ecotoxicologia Marinha e em Oceanografia.“O ano de 2025 será muito importante para o conhecimento e para a investigação do oceano”."O ano que se avizinha prevê-se que seja um momento transformador com um dos pontos cimeiros na terceira Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC3) que se irá realizar em Nice, França, de 9 a 13 de junho, organizada pela França e pela Costa Rica subordinada ao tema ‘Acelerar a ação e mobilizar todos os atores para conservar e usar o oceano de forma sustentável’. Um encontro que irá discutir e avaliar novas medidas urgentes para conservar e utilizar de forma sustentável o oceano, os mares e os recursos marinhos e identificar outras formas e meios de apoiar a execução do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14. A conferência será precedida de um importante Congresso de Ciência sobre o Oceano (One Ocean Science, de 3 a 6 de junho), onde se irá discutir a saúde, dinâmica e trajetória futura do oceano, a sua conservação e uso sustentável, e os serviços e benefícios que presta à humanidade. Dois mil e vinte e cinco será também o ano em que irá ser apresentado e aprovado o Terceiro Relatório Global do Estado do Oceano, no âmbito das Nações Unidas. Um documento que olha para o oceano a nível global em particular a economia inclusiva e o conceito de One Health, uma só saúde, que irá permitir fornecer a decisores a perspetiva económica dos recursos do oceano, a sua saúde e as implicações para a saúde humana, bem como avaliar se nos deparámos com desenvolvimentos positivos. Numa outra dimensão, a Década das Nações Unidas das Ciências do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030) prosseguirá o seu trabalho com o objetivo de desenvolver a investigação das Ciências do Mar necessárias para se atingirem os objetivos societais, nomeadamente: um oceano limpo, um oceano saudável, um oceano previsível um oceano seguro, um oceano produtivo e sustentável e um oceano transparente e acessível. No que respeita ao quadro nacional, a Comissão Nacional da Década do Oceano irá continuar a promover e coordenar a ação de Portugal para a concretização dos objetivos da Década das Nações Unidas das Ciências do Oceano, direcionando a ação nacional para iniciativas e projetos com ligação ao Atlântico, para a valorização científica, social e económica do conhecimento do mar português.”.Vítor Cardoso, professor catedrático no Departamento de Física do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa e diretor do Centro de Gravidade do Instituto Niels Bohr da Universidade de Copenhaga, Dinamarca..“Apesar dos tempos conturbados, estamos numa época gloriosa”."Lançado no dia 25 de dezembro de 2021, o telescópio James Webb viu galáxias e buracos negros mais antigos e maiores do que pensávamos ser possível, e até planetas com água, fora do Sistema Solar. Quem sabe se não existe algures uma civilização a celebrar o Natal em junho?Os telescópios de ondas gravitacionais viram buracos negros mais pequenos e também maiores do que era esperado. Há pouco mais de um ano, conseguimos fazer com que um conjunto de estrelas de neutrões funcionasse no todo como um detetor de ondas gravitacionais, e medimos ondas gravitacionais vindas da colisão de buracos negros monstruosamente grandes. Em junho de 2025, o LIGO (Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferómetro Laser) vai parar de forma que se possa melhorar toda a infraestrutura, e quando voltar ao ativo irá ver melhor e mais além. Agora temos de trabalhar, ainda não sabemos sequer o que está no interior de um buraco negro. Quando vemos coisas novas, é preciso sentir-lhes a textura, o cheiro, o som, até percebermos bem o que está à nossa frente. Uma coisa é inegável, apesar dos tempos conturbados, estamos numa época gloriosa, a construir aparelhos extraordinários que entrarão em funcionamento em breve, alguns dentro de um par de anos, outros dentro de uma ou duas décadas. Teremos o universo inteiro ao alcance dos olhos.Não gostava de saber de antemão o que vamos descobrir. O inesperado é mais interessante do que aquilo que conseguimos prever. Que seria da vida sem aqueles dias de sol que a meteorologia nos assegura que deviam ser chuvosos? Não seria fantástico se deixasse cair um copo e ele subisse, ao invés das previsões? Não seria fantástico se Portugal aumentasse o orçamento para a ciência, mas sobretudo o carinho pelo saber, pela calma, pelas coisas bem feitas? A curiosidade e o prazer de descobrir no mundo e nos outros, a diferença.”.Paulo Costa, coordenador do Computational Chemistry and Molecular Interactions Lab do BioISI, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.“O novo ano traz algumas incertezas para as ciências”."Nos últimos anos existiram desenvolvimentos notáveis nas áreas da química computacional e inteligência artificial (IA) recentemente reconhecidos com o Nobel da Química atribuído a David Baker, Demis Hassabis e John Jumper pelo desenho e previsão de estruturas de proteínas. Neste contexto, 2025 poderá trazer boas surpresas nesta área. Será expectável que esta simbiose entre as ciências químicas, no sentido largo do termo, e as técnicas de IA consigam oferecer um conjunto de soluções concretas para os desafios que se colocam na área da saúde (e.g. cancro e doenças neurodegenerativas) e que conduzam a uma diminuição do tempo e recursos gastos na identificação de alvos terapêuticos e desenvolvimento de fármacos. Existem alguns riscos nomeadamente na área da regulação e acesso aos dados. Basta recordar que o desenvolvimento destes modelos é muitas vezes controlado por grandes empresas. Contudo, creio que os benefícios suplantam os riscos. O novo ano traz também algumas incertezas para as ciências, não afetando apenas as ciências químicas. Em Portugal, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, principal financiador da investigação científica, terá um corte de quase 70 milhões de euros no seu orçamento. É o valor mais baixo desde 2018, afastando-se da meta de 3% do PIB mencionado no Programa do Governo. Isto, aliado a um desinvestimento na investigação fundamental (que gerou avanços como as vacinas de ARNm e o próprio AlphaFold), colocará o desenvolvimento científico nacional sob pressão. Globalmente, a ascensão a posições de governação de grupos céticos da ciência em questões como as alterações climáticas ou as vacinas, são desafios a que nós, cientistas, devemos responder em 2025 com mais e melhor comunicação em ciência.” .Mário Figueiredo, docente no Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa e Investigador do Instituto de Telecomunicações.“Não devemos esquecer que a ciência é um empreendimento humano”."Os prémios Nobel da Física e da Química de 2024 deram visibilidade pública à profunda interação entre a ciência e a inteligência artificial (IA). Poucas áreas da ciência e da tecnologia são hoje imunes a esta interação, em crescendo há várias décadas. Um dos pináculos do entrelaçamento entre IA e ciência é o sistema Alphfold (da Google Deepmind), capaz de prever a estrutura tridimensional de proteínas. O seu impacto revolucionário, nomeadamente na procura de novos fármacos, justificou a atribuição do Prémio Nobel da Química de 2024.Num futuro próximo, muitas áreas continuarão a sentir um forte impacto da IA. O desenvolvimento de novos fármacos beneficiará da sua capacidade para prever a eficácia de novas moléculas; na ciência dos materiais, acelerará a descoberta de novos compostos, explorando o espaço químico de forma mais eficaz que os métodos tradicionais; na ciência climática, contribuirá para melhorar a precisão das previsões e análises das alterações climáticas, ajudando a compreender e mitigar os seus efeitos.Nos próximos anos, a IA vai ser cada vez mais usada para gerar hipóteses, conceber experiências, recolher e interpretar dados, atuando como assistente e interlocutora virtual em várias etapas do processo de investigação. A IA contribuirá para acelerar a ciência e impulsionar novas descobertas, especialmente em campos que procuram compreender fenómenos complexos a partir de grandes volumes de dados. No entanto, não devemos esquecer que a ciência é um empreendimento humano, no qual o detentor do conhecimento adquirido é a humanidade, com a IA e as máquinas que a implementam ao seu serviço. Um cenário, como o ficcionado por Ted Chiang no conto Catching crumbs from the table (Nature, 2000), em que a ciência se torna incompreensível para os humanos, é distópico e não deve ser o objetivo da interação entre a IA e a ciência.”