O primeiro cidadão sueco a ir ao espaço, tendo sido o primeiro astronauta fora dos programas dos EUA ou da Rússia a fazer três caminhadas espaciais, Christer Fuglesang esteve no início da semana em Lisboa como orador da conferência “Space Defence Tech Meet Up", organizada pela Critical Software no Centro de Inovação do Técnico. Conversou com o DN à margem do evento.Os programas espaciais, até muito recentemente — até na altura em que foi ao espaço —, eram maioritariamente estatais. Hoje, vemos muitas empresas privadas a entrarem nessa corrida, especialmente nos EUA, mas também na Europa. Qual é a sua opinião sobre esta mudança?É absolutamente necessária. É a única forma de realmente desenvolver e expandir as atividades espaciais. No que diz respeito a certos serviços espaciais, como a comunicação, por exemplo, já há muito tempo que são fornecidos por empresas comerciais. O mais notável, agora, é que isto também está a acontecer com os voos espaciais tripulados, em parte graças à NASA. A NASA percebeu que a forma mais inteligente de fazer negócios não é a agência espacial ser proprietária do foguetão, do espaço e de tudo o resto. O objetivo é enviar pessoas para o espaço para fazerem pesquisa, explorarem, e se puder comprar o serviço a alguém, torna-se muito mais barato, e pode oferecer dinheiro a empresas para desenvolverem as ferramentas necessárias para este serviço. Foi assim que a NASA começou, há 25 anos, a mudar a sua forma de operar, e agora, muito mais tarde, nós na Europa também começamos a entender isso. E não é só nos voos espaciais tripulados que se deve fazer isso.E acha que a Europa está a perder terreno neste campo?Estamos muito atrasados. Sempre estivemos, mas, por termos demorado a entender o que estava a acontecer nos EUA, estamos a ficar ainda mais para trás. Há outros países, como a Rússia, que estão ainda mais... Quero dizer, eles estão quase a não fazer nada! Mas a China está a avançar muito rapidamente. Por isso, precisamos de investir mais, precisamos de investir de forma mais inteligente.Mas durante alguns anos confiámos nos russos para colocar pessoas no espaço, após o fim do programa do vaivém espacial. No entanto, a sensação que tenho, pelo menos como observador, é que os russos permaneceram tecnologicamente como estavam há 60 anos ou mais. Acha esta descrição precisa?Bastante precisa. Talvez não tenham exatamente parado há 60 anos, mas não estão a desenvolver-se tanto quanto nós, na Europa, e certamente não tanto como nos EUA e na China. Eles estão a desenvolver novos foguetões e novas naves espaciais tripuladas, dizem eles, mas duvido que isso vá muito longe, pelo menos enquanto estiverem ligados à guerra na Ucrânia. Ainda estamos — ou melhor, os EUA ainda estão — a trabalhar com a Rússia para a Estação Espacial Internacional [ISS] e a única razão para isso é não haver outra opção, se se quiser manter a ISS a funcionar, porque os sistemas estão muitíssimo integrados, do lado russo e do lado não-russo. Se a Rússia não estiver lá, não se conseguiria operar a estação espacial. Mas essa é a única colaboração que ainda temos.Então, numa nova “corrida à Lua”, a China é hoje muito mais concorrente dos EUA e da Europa do que a Rússia?Sem dúvida. A China tem a sua própria estação espacial, tem o objetivo de ir à Lua com humanos — eles disseram que vão colocar pessoas na Lua em 2030. Um facto notável nos chineses é que sempre que dizem "faremos isto até àquele ponto", eles cumprem. O que é o contrário de quase todos os programas espaciais Ocidentais, exceto o Apollo [que levou o Homem à Lua]. Para os EUA colocarem pessoas na Lua a tempo, ou seja, antes do final dos anos 60, eles estavam preparados para pagar o que fosse preciso. A China pode estar numa situação semelhante, e como é uma ditadura, ninguém pode protestar quando eles investem muito dinheiro nisto. Nós não temos esse luxo.Como responde àqueles que defendem que devemos investir, principalmente, em Inteligência Artificial e robótica para explorar o espaço e não na exploração espacial humana?Acredito, e muitos outros também, que a abertura de possibilidades para os humanos viverem noutros lugares além da Terra é um grande benefício para a Humanidade. E não podemos fazer isso se não enviarmos humanos para o espaço. Agora, devemos utilizar a IA e robôs o máximo possível para fazer isso de forma mais inteligente, barata e segura para os humanos. Assim, enviamos robôs e IA primeiro, e aprendemos tudo, e depois eles ajudam-nos a construir o que for necessário na Lua, em Marte e talvez em asteroides, etc..[A SpaceX:] Eles avançam e dizem: “Bem, talvez isto funcione, vamos tentar.” E percebem… “Ups, não funcionou por causa disto.” E depois corrigem. Da próxima vez: “Ok, foi outra coisa.” É uma forma diferente de fazer desenvolvimento. Acha que é viável ter uma presença humana em Marte até 2035, como diz Elon Musk [fundador da SpaceX]?Não é impossível que os primeiros humanos possam pisar em Marte em 2035. Eu diria talvez alguns anos depois. Mas não acho que teremos uma colonização de Marte por mais uma geração. Quero dizer, Elon Musk está a impulsionar fortemente esta visão de que ele deve fazê-lo muito em breve, mas há algumas dificuldades.Pela sua experiência, não só como astronauta, mas como físico e cientista, estes contratempos que Musk está a enfrentar com a Starship, o lançador que poderá levar-nos à Lua e a Marte, mas que tem explodido quase sempre, que há até quem se ria e critique, é algo natural, ou passa-se algo de estranho?É o modo como a SpaceX trabalha para desenvolver as suas tecnologias para ir mais longe. Em vez de gastar muito tempo a testar peças e cálculos teóricos, eles avançam e dizem: “Bem, talvez isto funcione, vamos tentar.” E percebem… “Ups, não funcionou por causa disto.” E depois corrigem. Da próxima vez: “Ok, foi outra coisa.” É uma forma diferente de fazer desenvolvimento. E acho um pouco estúpido rir disso! Ninguém fez tanto pela viagem espacial como a SpaceX. Quero dizer, eles têm sido extremamente bem-sucedidos. E o que eles estão a tentar fazer agora, com a Starship é extremamente desafiador. Mas quando eles tiverem isso, isso abrirá completamente novas possibilidades para o espaço, para toda a Humanidade.Falávamos de como a Europa está a ficar um pouco para trás... Como homem de ciência, tendo trabalhado no CERN, na academia e na área de negócios, o que falta na Europa? O que devemos fazer para apanhar este comboio, se é que ele ainda não partiu para sempre?Cientificamente, diria que somos muito fortes. Quero dizer, estamos ao nível dos EUA. O problema é na parte de negócios e como estamos a comprar o que precisamos para o espaço. O que me preocupa é como desenvolvemos a indústria espacial na Europa. E isso precisa de bastante investimento governamental para crescer.Apenas investimento público?Sim, privado também, mas investimento público. E é o que está a acontecer nos EUA.Mas para ter mais investimento público, não precisa, então, o público em geral de estar mais consciente do que está a acontecer e da necessidade e da importância dessa área de desenvolvimento?Sim. O governo, o público em geral devem entender os benefícios [da exploração espacial]. E esse é um desafio. Se olhar para os EUA, muito do dinheiro para o espaço veio da Defesa. Quero dizer, eles receberam tanto dinheiro para o espaço quanto a NASA, ao longo dos anos. E precisamos construir uma Defesa mais forte na Europa. Isso, acho que as pessoas começam a entender agora..Pioneiro sueco no espaço.Christer Fuglesang, nascido em Estocolmo em 1957, é um físico de partículas e astronauta da Agência Espacial Europeia (ESA), e o primeiro cidadão sueco a viajar para o espaço. Fuglesang trabalhou no CERN antes de ser selecionado para o corpo de astronautas da ESA em 1992, tendo depois qualificado-se como especialista de missão da NASA.A sua primeira missão espacial, STS-116 a bordo do vaivém espacial Discovery em dezembro de 2006, fez história. Durante esta missão de 13 dias à Estação Espacial Internacional (ISS), Fuglesang realizou três caminhadas espaciais, totalizando mais de 18 horas, para instalar novo hardware e reconfigurar o sistema elétrico da estação.Em 2009, Fuglesang embarcou na sua segunda missão espacial, a STS-128, também a bordo do Discovery. Nesta missão de quase 14 dias, ele realizou mais duas caminhadas espaciais, somando um total de cinco EVA e mais de 31 horas fora da nave ao longo da sua carreira. Ele é a primeira pessoa fora dos programas espaciais dos EUA ou da Rússia a participar em mais de três caminhadas espaciais.Após as suas missões, Fuglesang continuou a sua dedicação à ciência e à educação, atuando como professor e diretor do KTH Space Center na Suécia, e defendendo a importância de inspirar as novas gerações..Portugueses no espaço. Critical Software e a dinâmica comercial do ‘New Space’.Critical Software: "Engenheiros portugueses não são inferiores a ninguém"