A neurocientista Catarina Resende de Oliveira. -- Foto: NUNO BRITES
A neurocientista Catarina Resende de Oliveira. -- Foto: NUNO BRITES

Catarina Resende de Oliveira: “O idoso saudável tem potencialidade de contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa”

Nos próximos meses, a Academia das Ciências de Lisboa propõe-se debater os desafios que se colocam ao envelhecimento da população. A inaugurar o ciclo “No Ocaso da Vida”, conferencia a neurocientista Catarina Resende de Oliveira. O encontro online tem lugar esta quarta-feira, às 18.30, e é de acesso livre.
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Na comunicação que fez a anteceder a conferência refere que “o retardar do envelhecimento, a prevenção das doenças com ele relacionadas e a procura da ‘eterna juventude’ têm sido fontes inspiradoras da investigação científica”. Entre a realidade e a utopia o que de mais relevante nos está a entregar a ciência nesta área?  

O envelhecimento é uma fase da vida, é um processo biológico que faz parte do desenvolvimento. Inicia-se a partir da fecundação e progride ao longo dos anos. É um processo complexo e inevitável que, à medida que a idade avança, se acompanha de um compromisso da função de vários tecidos e órgãos. O conhecimento dos mecanismos celulares e moleculares associados a este compromisso funcional abre novas perspetivas não só para retardar o processo de envelhecimento e manter a qualidade de vida como, porque não, rejuvenescer. Os avanços científicos sugerem que o compromisso entre envelhecimento e longevidade envolve um conjunto de vias de sinalização celular responsáveis pela “limpeza” dos produtos de desgaste do metabolismo da célula, pela manutenção da conformação das proteínas, evitando os danos resultantes da sua acumulação. Além disso, a capacidade de remover os organelos celulares disfuncionais permite-nos olhar para os mecanismos de controlo de qualidade celular, entre os quais a autofagia surge como um processo-chave responsável pela manutenção da “saúde “da célula, capaz de ser modulado e, assim, ser um alvo de futuras intervenções terapêuticas dirigidas ao aumento da longevidade. Um outro aspeto para o qual a ciência tem chamado atenção é o reconhecimento da importância da manutenção da saúde do cérebro como determinante de um envelhecimento com qualidade. Neste âmbito, a possibilidade de manipular o meio sistémico e melhorar a disfunção cerebral associada ao envelhecimento, abre novas perspetivas para promover o rejuvenescimento do cérebro.                                                                                 
O envelhecimento está associado a um estado conhecido como inflammaging. Que impacto tem este processo na saúde dos tecidos e órgãos? 

O envelhecimento caracteriza-se por um decréscimo da capacidade de adaptação a situações de stresse celular, nomeadamente ao stresse oxidativo, e por um estado inflamatório crónico de baixa intensidade, designado por inflammaging. Este estado inflamatório crónico, que se manifesta tanto a nível local como sistémico, está associado à senescência celular e desempenha um papel crítico na patogenia das doenças relacionadas com o avanço da idade.  As células senescentes sofrem alterações na sua morfologia, na expressão génica e na atividade metabólica e desenvolvem um fenótipo secretor rico em citocinas e outras moléculas pró-inflamatórias, que altera o microambiente celular e contribui para o estado inflamatório crónico designado como inflammaging, e para a alteração do fenótipo das células e dos tecidos vizinhos.

De que forma os processos que indica contribuem para o risco de doenças neurodegenerativas?

A senescência celular pode desencadear neurodegenerescência através de múltiplos mecanismos que vão desde a inflamação e desenvolvimento do fenótipo secretor senescente acima referido, ao stresse oxidativo e à alteração da integridade da barreira hematoencefálicas. Ao persistirem no cérebro, as células senescentes contribuem para o declínio cognitivo e para a alteração da função sináptica observada nas doenças neurodegenerativas, como as doenças de Alzheimer e de Parkinson. Em modelos animais de doença, a eliminação das células senescentes, usando compostos senolíticos, melhora não só os fenótipos de envelhecimento cerebral como o processo neurodegenerativo 

Cada indivíduo envelhece de forma única, com base, entre outros, em fatores genéticos e ambientais. É viável, num futuro próximo, criar intervenções personalizadas que possam prever e retardar o envelhecimento?

Tendo em conta que o processo de envelhecimento depende do equilíbrio entre fatores genéticos e ambientais, cada indivíduo tem um perfil próprio de envelhecimento. Estudos recentes mostram que o êxito das intervenções com o objetivo de retardar ou, se possível, inverter este processo, depende desse perfil, que poderá ser determinado recorrendo a estudos não só de genómica, mas também de transcriptómica e de proteómica, enquadrado no estilo de vida de cada individuo.

Que papel desempenham as intervenções não-farmacológicas, como a restrição calórica, o exercício físico e o treino cognitivo no declínio cognitivo?

São várias as intervenções não-farmacológicas que se têm revelado promissoras na melhoria da saúde do cérebro. Entre elas, foi demonstrado que a restrição calórica é fácil de implementar, leva a um decréscimo do stresse oxidativo, à regulação do sistema imunitário e da senescência das células deste sistema, tanto em modelos animais como no humano, mitigando também a perda da neurogénese através do aumento dos níveis de fatores neurotróficos. O exercício físico regular é uma intervenção não-farmacológica  que melhora a neurogénese, a plasticidade sináptica e as funções cognitivas, tendo um efeito protetor da neurodegerescência. Tem o potencial de modular não só o ambiente local a nível cerebral, como o ambiente sistémico, como por exemplo o metabolismo hepático, capaz de reverter as alterações funcionais associadas ao envelhecimento do sistema nervoso central.

Que mudanças considera essenciais a nível social e político para apoiar a saúde dos idosos e reduzir a incidência de doenças neurodegenerativas?

Considero que, embora o envelhecimento esteja associado a perda de função de vários órgãos e sistemas e a uma maior fragilidade e risco de doença, o aumento da longevidade é uma conquista e simultaneamente um desafio. Sendo Portugal um dos países mais envelhecidos da Europa, é necessário planear e implementar ações que promovam um envelhecimento ativo e saudável. Importa aumentar a literacia em saúde, criar condições que promovam estilos de vida saudável, que vão desde a alimentação ao exercício físico, ao convívio social, ao planeamento das habitações e das cidades “amigas do idoso”. O combate à obesidade e à diabetes, o controlo da hipertensão, o combate à solidão, são exemplos de fatores de risco para o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas que são modificáveis.  O idoso saudável tem potencialidade de acrescentar valor e contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e equitativa.

O ciclo de conferências “No Ocaso da Vida” prossegue a 20 de novembro com a presença da demógrafa Alice Delerue Matos. 

ID Reunião: 992 7191 7056

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