500 mil árvores. Quem cuida e como é cuidada a Lisboa verde?
Na Praça António Sardinha, na freguesia de Arroios, o parque infantil disputa a atenção dos mais pequenos com uma... árvore. Num canto interior, uma enorme bela-sombra de raízes contorcidas revela-se um apetitoso desafio de escalada para os mais pequenos. A árvore já lá estava antes de a praça ser construída em redor. É centenária, mas isso não fez dela uma das anciãs da cidade: pese embora a dificuldade de datação, há árvores em Lisboa que serão contemporâneas da construção dos Jerónimos. Monumentos elas próprias, como a bela-sombra de António Sardinha, classificada desde o ano 2000. Ou como as quatro oliveiras que resistiram em Alcântara, no jardim traseiro à Capela de Santo Amaro, testemunhas dos últimos 457 anos da história da cidade. São as mais antigas, entre os exemplares que estão datados.
De acordo com estimativas da Câmara de Lisboa existem na cidade cerca de 500 mil árvores adultas ou com copa já formada (um levantamento que está atualmente a ser atualizado), sendo que as árvores de arruamento (as que se situam fora dos parques e jardins) rondarão os 63 mil exemplares. Números que excluem o Parque Florestal do Monsanto, onde as estimativas da autarquia apontam para 320 mil. Mas, como trata a cidade das suas árvores, como garante a proteção das que já levam décadas ou centenas de anos, e a plantação de novos exemplares? A resposta começa nos três viveiros de onde saem as plantas e as árvores que depois são plantadas no espaço público.
Lucinda Ferreira e Sofia Correia viram crescer muitas árvores da cidade, neste caso as do Parque Florestal de Monsanto. Mais do que isso: foi pelas suas mãos que foram plantadas. O ciclo repete-se todos os anos - vão à própria serra apanhar as sementes, que depois são semeadas em pequenas quadrículas, onde começam a ganhar raízes. Ainda pequenas, não mais do que uma planta de pequeno porte, hão de voltar à serra. No caso de Lucinda, há 37 anos que o ciclo se repete. No caso de Sofia, há 34.
As duas, funcionárias da Câmara de Lisboa, trabalham na Quinta da Fonte, em pleno Monsanto. O espaço, de onde só se entrevê o bulício citadino, é um microcosmos. Tem duas estufas, onde germinam as sementes ou as plantas que "pegam de estacaria", e culturas exteriores. Têm uma fila de vasos de jovens árvores (o viveiro também recebe visitas de escolas) - lá está o Platanus ou o Celtis australis, traduza-se o plátano e o lódão, as duas espécies mais comuns nas ruas e jardins de Lisboa.
Rui Simão é chefe da divisão que, na câmara, cuida dos espaços verdes. É também pelo seu departamento que passa a avaliação sobre o que se planta na cidade. "Temos feito algumas experiências com novas espécies, mas tem de haver muito cuidado", diz ao DN. Há sempre um perigo à espreita: "Temos pragas que vêm com árvores que vieram do exterior." Segundo a câmara, os critérios de escolha prendem-se com a "adaptação da espécie ao local e enquadramento, a sua dimensão no estado adulto (na base e na copa), o compasso de plantação pretendido e com as suas necessidades de manutenção". Rui Simão junta-lhe um outro elemento - a experiência dos técnicos.
Uma vez colocada no espaço onde vai ficar, uma árvore precisa de rega nos dois a três anos seguintes, até ganhar raízes que lhe permitam sobreviver por si. Quem o faz? Depende.
A reforma administrativa de Lisboa, implementada a partir de 2014, dividiu pela câmara e pelas freguesias a responsabilidade pelo arvoredo. À autarquia cabem os espaços verdes estruturantes (grandes parques e jardins, como o Parque Tejo, a Ribeira das Naus, os jardins da Estrela, do Campo Grande, a Praça do Império ou a Tapada das Necessidades, entre outros), bem como as grandes vias da cidade, caso do Eixo Central. Para tratar de tudo isto, a divisão conta com 240 funcionários - 139 dos quais são jardineiros. Não são muitos para tanta área e Rui Simão já antecipa um problema futuro: "55% das pessoas estão acima dos 55 anos." Em muitos casos, a manutenção está adjudicada a empresas externas, situação que também se repete nas juntas de freguesia, responsáveis pelos jardins de média/pequena dimensão e pelos arruamentos.
A divisão não é estanque: o abate de árvores de grande porte tem de passar pelo crivo da câmara. E não têm faltado críticas à política seguida nestes casos. Questionada pelo DN, a autarquia disse não ter dados precisos sobre o número de exemplares abatidos na cidade, antes de acrescentar que esta é sempre a "última solução, depois de ponderadas todas as alternativas". "O abate é apenas realizado quando a árvore se encontra em estado fitossanitário que não permite a sua recuperação e/ou apresenta risco para a segurança pública", garante a autarquia.
Há quem discorde frontalmente que as coisas se passem assim. É o caso do movimento Plataforma em Defesa das Árvores, que vem alertando para o que diz ser uma "guerra contra as árvores" em curso na cidade. Paulo Ferrero - um nome conhecido pela sua intervenção no movimento Cidadania Lisboa - argumenta que a transferência de competências para as freguesias não veio beneficiar em nada os espaços verdes, potenciando abates desnecessários e podas absurdas. "As juntas não têm pessoas especializadas" e as empresas privadas não têm o know how necessário para uma atividade tão específica. Resultado? "Destruição de árvores de grande porte, poda de árvores como se fossem arbustos." Há uma enorme insensibilidade com o arvoredo, argumenta, e não é só em Lisboa, é em todo o país. "Uma árvore é um bibelot, é descartável."
Há quatro anos que a Plataforma em Defesa das Árvores sinaliza casos, aponta o dedo, questiona a câmara da capital: "Somos vistos como os maluquinhos, somos os fundamentalistas. Mas há muito fundamentalismo é contra as árvores." A plataforma fez do novo regulamento do arvoredo um cavalo de batalha, mas Paulo Ferrero diz que nem mesmo a muito demorada aprovação do regulamento veio valer ao arvoredo. "O regulamento já está em vigor. O que é que se passa? Nada, está tudo na mesma."
E os lisboetas, gostam das suas árvores? Rui Simão diz que há muitas queixas dos munícipes sobre as árvores da cidade. Porque fazem alergias, porque tapam a luz das janelas, porque sujam os carros, porque as raízes destroem as canalizações, porque levantam as pedras da calçada. Garante que todas têm resposta, mas poucas têm concretização - mexidas no arvoredo só por razões de segurança ou em caso de doença.
Das 62 árvores classificadas como de interesse público no final de 2018, são 52 as que têm a idade fixada. As mais antigas são as quatro oliveiras já referidas, um conjunto referenciado com a provecta longevidade de 457 anos. Logo a seguir surge o imponente plátano do jardim do Hospital Pulido Valente, no Lumiar, com 364 anos, classificado desde 1945. De acordo com o livro Árvores da Cidade, da autoria de Graça Amaral Neto Saraiva e Ana Ferreira de Almeida, esta árvore tem 30 metros de altura e um diâmetro da copa de 33 metros.
A lista das mais veneráveis árvores de Lisboa prossegue com um dragoeiro situado num terreno anexo ao Palácio Luz, em Carnide, com 210 anos, e outro exemplar da mesma espécie, na Quinta do Conde D'Arcos, nos Olivais, com 200, a mesma idade de uma árvore-da-borracha na estrada de Marvila. No Jardim do Príncipe Real há três árvores-da-borracha australiana com 150 anos. E na Rua do Século há dois lódãos com 150 anos. No total há 37 árvores com idade superior a 100 anos.
Mas este ranking pode vir a sofrer alterações. De acordo com a autarquia, está em avaliação a idade de uma oliveira nos Olivais, que pode ainda roubar o título de árvore mais antiga da cidade ao conjunto da capela de Santo Amaro.
Segundo a Câmara de Lisboa, na época 2018/2019 foram plantadas na cidade mais de 19.000 árvores e arbustos. Na época de plantação anterior, em 2017/2018, foram "plantadas 15.400 árvores".
A autarquia diz estar atualmente a desenvolver uma plataforma de informação geográfica, visando o trabalho de gestão e manutenção do arvoredo, mas que será também disponibilizada ao público, em data ainda não determinada.
Lisboa vai ser Capital Verde Europeia 2020 e, a pretexto do título que ostentará no próximo ano, vai identificar parte do arvoredo da cidade. O objetivo passa por colocar, em cerca de 100 mil árvores, uma chapa com a identificação da espécie e um QR Code que permita aceder a mais informação. Atualmente, são muito poucas as árvores que têm alguma forma de identificação no local, o que se aplica também às que estão classificadas.