Brasil passa de católico a evangélico
É preciso fé para encontrar nas primeiras páginas dos jornais
notícias que não tenham a economia, pelo menos, como pano de fundo.
No Brasil, por exemplo, fala-se dos 25% da população que escala
classes sócio-económicas, do consumo que aumenta, do PIB que
estagna, do crescimento que arrefece, da indústria que não é
competitiva, dos impostos automóveis que baixam, da crise global que
deixa marcas, da China que influi, do Mercosul que também influi,
das taxas de juro que flutuam, da máquina estatal que pesa, das
exportações que caem, da política cambial que muda e por aí
adiante - uma missa diária.
Quase por milagre, no entanto, entre os cifrões, aparece uma
notícia de religião: segundo o último Censos, o Brasil, maior país
católico do mundo, deixará de o ser em 2040. Não porque esteja a
perder fiéis para o ateísmo ou para o agnosticismo, como acontece
noutros pontos do globo, mas porque está a ceder a posição, sem
sangue nem revoluções, para outra igreja.
Essa igreja, a Evangélica, sob a qual se reúnem dezenas de fés
protestantes pentecostais e adventistas e que tem na IURD e no Bispo
Edir Macedo a sua face mais conhecida, comporta proporcionalmente o
maior número de jovens e mães em idade reprodutiva, razão pela
qual, em menos de 30 anos, ultrapassará a Igreja Católica. De 2000
para 2010, os católicos perderam pela primeira vez em números
absolutos - 1,7 milhões de fiéis - e nos últimos 50 anos o seu
peso relativo caiu de 93% para 64%. Em três dos 26 estados, incluindo
o do Rio de Janeiro, o catolicismo é já inferior a 50%.
E porque é que isto acontece? Porque os evangélicos investem no
espaço mediático (a Record, segunda rede nacional a seguir à
Globo, pertence à IURD), usam e abusam de métodos mágico-religiosos
e adaptam o discurso bíblico a situações do dia a dia,
nomeadamente, a formas de prosperidade. Televisão, emoção e
promessa de riqueza são o que basta para conquistar o brasileiro
médio - 42 milhões estão já conquistados.
A Igreja Católica reagiu com os mesmos meios - investiu em mais
exposição mediática, passou a organizar megaeventos com padres
cantores, como o hoje milionário Marcelo Rossi, e serviu-se da
Revolução Carismática, uma corrente interna mais mística, para
chegar ao povo. Mas falta-lhe vocação pop e agilidade comercial.
Ao contrário, a IURD, além da maior concorrente da TV Globo, tem
ainda o jornal mais vendido do país, o semanário Folha Universal,
com 2,3 milhões por edição, e milhares de investimentos noutros
mercados. O Bispo Edir (ou melhor, o CEO Edir) figura oficiosamente
na lista dos mais ricos do Brasil. Um seu rival, Silas Malafaia, da
Assembleia de Deus Vitória em Cristo - igreja veladamente apoiada
pela Globo -, admitiu que paga 22 mil reais mensais às centenas de
pastores sob seu domínio e que comprou nos últimos anos uma casa em
Boca Raton, na Florida, um Mercedes Benz blindado e um jato.
As revistas de negócios aconselham o investimento na indústria
da religião, seja na produção e venda de velas ou imagens seja no
agenciamento de cantores gospel no trilho de Cassiane, a
cantora-fenómeno que vendeu 3 milhões de CD.
O refluxo da igreja católica pode até ser uma boa notícia -
depende de cada um - mas o que a está a substituir no Brasil é o
evangelho do lucro, a verdadeira religião global.
Pois é, um leitor desprevenido podia pensar que aquela notícia
perdida entre a economia e as finanças brasileiras era sobre
religião mas um leitor do Dinheiro Vivo que conheça o seu slogan
não se deixa enganar: há economia em tudo o que há.
Crónicas de um português emigrado no Brasil
Jornalista
Escreve à quarta-feira