Em 2017, 54 autocarros foram incendiados em todo o estado de Minas Gerais. Um número expressivo, não? Mas ele só é aqui chamado para contextualizar um outro, muito mais impactante: de 4 a 14 de Junho deste ano , 70 “ônibus” de 40 cidades do mesmo estado foram queimados, quase em simultâneo, por criminosos..Para um fenómeno destas dimensões e com este nível de sintonia, a polícia não tem dúvidas: é obra do Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior organização criminosa do Brasil – e cuja sofisticação não deixa de surpreender as autoridades..O PCC, fundado em 1993 numa prisão de Taubaté, São Paulo, é liderado por Marco Camacho, cujo nome de guerra é Marcola, hoje detido em prisão de segurança máxima com pena acumulada de 332 anos. Rogério de Simone – nome de guerra: Gegê do Mangue – funcionava como voz de Marcola fora da cadeia desde 2017..Gegê descobriu já este ano que dois altos quadros da organização, Cabelo Duro e Nado, usavam a estrutura logística do PCC para negociar diretamente com um traficante externo, chamado Fuminho, brasileiro que opera desde a Bolívia, sem pagar nada ao grupo..Como Gegê se tornou incómodo para os planos de Fuminho, Cabelo Duro e Nado, estes planearam então, e consumaram através das suas tropas, o seu assassinato e o do seu braço-direito Paca, com recurso a helicópteros e outros aparatos hollywoodescos. Ainda os cadáveres de Gegé e Paca não haviam esfriado e já Cabelo Duro e Nado, indiretamente implicados na sua morte, eram executados em retaliação, por ordem vinda da cela, supostamente de segurança máxima, de Marcola..Depois de descobrir o corpo de Nado – enterrado de cabeça para baixo num baldio de São Paulo – a polícia chegou à casa dele. E foi aí, acedendo aos seus papéis, que teve a exata noção da dimensão do PCC..De repente, a organização paulista, habitual nos noticiários de crime, entrou nos cadernos de economia dos jornais mais respeitados: afinal, com 800 milhões de reais [perto de 200 milhões de euros] de faturamento anual, segundo o setor de inteligência da polícia brasileira, o PCC está no top-500 das maiores empresas nacionais..Tem metas, orçamentos, balanços, hierarquias e tudo a que uma empresa legal tem direito. E, como tantos outros milionários brasileiros, os membros da cúpula do PCC usam “doleiros”, ou seja, intermediários que transferem (e lavam) dinheiro para contas no estrangeiro – a polícia detetou transferências de milhões de reais a um ritmo diário..Além dos negócios clandestinos de tráfico de droga – transportam quatro toneladas de cocaína para a Europa por mês -, de roubo de camiões de carga e outros, o PCC é dono direta ou indiretamente de 200 postos de gasolina e recebe quase dois milhões de reais mensais.(perto de 500 mil euros) em quotas pagas pelos seus cerca de 30 mil associados espalhados por todas as unidades federativas do Brasil. Esses associados são chamados a atuar nas guerras contra os rivais, nomeadamente os cariocas do Comando Vermelho, em troca de proteção e apoio. A maioria deles está na cadeia..É por causa das péssimas condições das prisões brasileiras, aliás, que, em retaliação, os membros do PCC em liberdade vão queimando autocarros em Minas Gerais. Caso o governo não atenda as suas reivindiações, a organização ameaça que as viaturas vão continuar a arder e não apenas em Minas mas em todo o Brasil..Do noticiário do crime, o PCC passou para os cadernos de economia e, num futuro próximo, será primeira página como protagonista da atualidade política.