Vieux Farka Touré: filho de peixe sabe nadar

O guitarrista do Mali, filho de Ali Farka Touré, atuou no segundo dia do festival Mimo. No domingo, deu um workshop sobre blues do deserto
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Vieux Farka Touré quase não dorme há dois dias. O voo que o traria do Mali no sábado, dia do seu concerto no Mimo, atrasou-se e ele chegou em cima da hora. Nessa noite, teve Amarante a ouvir blues do deserto africano na sua guitarra. Uma espécie de Tombuctu amplificado e elétrico.

Na manhã seguinte, uma pequena plateia já esperava, na Casa da Portela, o filho de Ali Farka Touré, músico que morreu em 2006, e que com Ry Cooder gravou Talking Timbuktu (1994) e com o conterrâneo Toumani Diabaté, tocador de cora, In the Heart of the Moon (2005).

O workshop Desert Blues - História e Prática começou com a cabaça que, explicava Vieux, "é o primeiro instrumento do Mali, é muito simples, mas muito difícil de tocar". Mostraria como se faz, com os seus anéis a fazerem-se ouvir na cabaça, como dita uma das formas tradicionais de a tocar, e depois outro músico continuaria a fazê-lo com baquetas, a outra forma possível. Vieux, cuja casta de onde provem o obrigaria a ser soldado se, como o seu pai, não tivesse desrespeitado a tradição, agarraria depois na sua guitarra acústica e tocou.

Vieux, que começou a tocar guitarra às escondidas de Ali e só aos 20 anos se inscreveu no Institut National des Arts, em Bamako, parou de tocar e comentou: "Não há muita gente que toque assim, é uma técnica da família." Mais à frente, pediria a um dos participantes, Tiago, músico amador de Amarante que trouxera a sua guitarra elétrica, para tocar com ele. No final, o português comentava que não estava à espera. "Quando me pedem para tocar com pessoas, nunca me preparo. A preparação obriga a fazer o que se prepara", diz Vieux.

Tiago, como Luís, que veio de Lisboa, não conhecia o músico do Mali até ver o cartaz do Mimo. Mas os apelidos lembraram-lhes Ali, que conhecem bem. Tiago vê-o como uma continuação, Luís assente e diz que leva "ainda mais à frente" o legado do pai.

Havia pouco tempo e um avião para apanhar, mas, entre as canções que tocou - como no Mali, explicava, quando fazem um chá, levam uma cabaça, cora ou guitarra e vão improvisando - a plateia conseguiu pôr algumas questões.

Luís perguntou-lhe se a técnica com que toca, usando o polegar e o indicador, vem da cora - espécie de harpa feita com meia cabaça e 21 cordas. Vieux Farka Touré responde que sim. "O meu pai tocava isso tudo, por isso é que desenvolvi esta técnica."

Acerca do concerto da noite passada, bem mais alto e elétrico do que aquela manhã acústica, Vieux lembra que, na altura de Ali, os músicos "ligavam tudo ao rádio, o som era uma maravilhosa; era assim que se fazia no Mali, no tempo do meu pai não havia amplificadores."

Outro dos participantes faz sinal para conversar. Agradece o concerto de sábado ao autor do álbum Mon Pays (2013), uma homenagem ao seu país que permanece o seu álbum mais conhecido. "É tão ou mais virtuoso que o seu pai". Vieux baixa levemente a cabeça, e agradece.

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