Uma casa dos AC/DC e dos Joy Division em Serralves
Arte pós-moderna e arquitetura representadas numa maqueta branca, feita de gesso, de um centro social para adolescentes em Milão que "pretende ser um memorial" à obra que nunca passou daí e do papel. Com títulos de canções e nomes de bandas nas paredes, como o grupo de rock Joy Division e o seu álbum de estreia Unknown Pleasures. Assim se apresenta, a partir de hoje, no Museu de Serralves, no Porto, o projeto AC/DC Joy Division House. É a segunda fase da exposição Campanha do artista britânico Liam Gillick, que expõe pela primeira vez em Portugal até janeiro de 2017.
Desta vez, apesar de haver bandas, não há neve falsa negra a cair em cima de um piano. Nem se escuta a música de Grândola, Vila Morena, de José Afonso, que Liam Gillick compôs de memória depois de a ter ouvido na televisão, por altura do 25 de Abril de 1974. Aconteceu na instalação Factories in the Snow, o primeiro dos quatro momentos da exposição Campanha, inaugurada nos finais de janeiro deste ano. E que foi criada para o festival internacional de Manchester, em 2007.
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Era preciso optar
Factories in the Snow dá hoje lugar à inauguração do segundo momento AC/DC Joy Division House. Aqui, o silêncio impera e os sentidos despertam o olhar para a maqueta que fala de sonhos que não se realizam. Até porque esta obra do centro social para adolescentes em Milão, que foi encomendada a Gillick em 1993, não foi construída. Explicou que, há 23 anos, o projeto foi concebido como "um edifício concreto que se poderia tornar em algo realmente necessário, um centro social", mas estava inserido "numa estética pós-moderna que não carregava consigo a dinâmica social", pelo que foi rejeitado.
"É um memorial à obra que nunca existiu e lida com o tempo e a ação", explica o artista. Mais, continua, enquanto aponta para a maqueta: "Nesta arte reconhece-se o tempo que se perde, o momento que passou, algo que se perdeu."
A partir de hoje são bem visíveis nas paredes da maqueta do edifício letras a negro, nomes de canções quer dos Joy Division quer dos AC/DC, remetendo, de acordo com Gillick, para uma cultura tribal na qual nasceu e cresceu em que "não se podia gostar de AC/DC e de Joy Division" em simultâneo, era preciso optar.
"Edifício dentro de edifício"
Arquitetura e arte estão aqui de mãos dadas e, a esse propósito, o artista teve oportunidade, de há dias, mostrá-la ao arquiteto Siza Vieira, que "ficou surpreendido e disse que era um edifício dentro de um edifício". Nesta versão em pequena escala do centro social, que nunca foi construído, "a arquitetura é semelhante à dos edifícios envolventes, mas a decoração nas paredes e o facto de ser um edifício de grandes dimensões fazem que se distinga", explica o artista britânico. Aborda, assim, a noção da arquitetura como projeto, construção e intervenção nos espaços físicos e sociais. O que, segundo a presidente do conselho de administração da Fundação Serralves, Ana Pinho, vai precisamente ao encontro do relevo que a arquitetura tem este ano na programação. "É uma intervenção na arquitetura, tem uma forma, uma estrutura, expressão", acrescenta a diretora do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Suzanne Cotter.
Esperam-se de Gillick mais dois momentos expositivos com intervenções escultóricas até 3 de janeiro de 2017. Em maio, juntam-se e incorporam elementos de texto e som, numa terceira fase da exposição A Game of War (Terrain) [Um Jogo de Guerra (Terreno)]. Já em setembro, a quarto e última fase culmina num conjunto de intervenções na arquitetura do museu. Serão criadas uma série de "plata- formas de discussão", fazendo uso das claraboias existentes e que iluminaram as outras obras.
O artista britânico Gillick vive e trabalha em Nova Iorque. Estudou Belas-Artes no Goldsmiths College, Universidade de Londres. Foi distinguido, em 1998, com o Paul Cassirer Kunstpreis, Berlim, e nomeado, em 2002, para o Turner Prize, Tate, Londres. A exposição é inaugurada hoje, com a presença do primeiro-ministro António Costa e do ministro da Cultura, João Soares.