Uma casa com música austríaca no coração
E a música se fez Áustria! Quase apetece dizer isso, por vezes, a propósito desse país que tantos grandes compositores deu à música ocidental e que é verdade sobretudo a propósito de Viena, cidade que ao longo dos séculos foi berço de e funcionou como um íman para muitos criadores - e continua a funcionar.
É portanto para esse manancial inesgotável de muita e boa música, desde o Renascimento aos nossos dias, que a Casa da Música se vai remeter ao longo de todo o 2018, naquele que será também o último grande legado do embaixador da Áustria em Portugal, Thomas Stelzer, cuja ação no plano cultural foi deveras notável e que nos deixa no final deste ano.
A Abertura Oficial do Ano Áustria na Casa da Música decorre ao longo de dez dias, de 12 a 21 de janeiro e tem por subtítulo... Música no Coração. De 18 a 21, para mais, a Abertura faz-se numa "Casa Aberta", isto é, com grande parte dos espaços acessíveis ao público, que pode assim "tomar o pulso" ao funcionamento da grande "fábrica" musical. O Concerto de Abertura faz-se com a Sétima Sinfonia de Bruckner, dirigida por Michael Sanderling (12 jan.), maestro ao qual também caberá o fecho simbólico do Ano Áustria (14 dez.), aí com a "Sexta", de Mahler.
Figuras
Como sempre costuma ocorrer, figuras há que terão um lugar de destaque na programação ao longo do ano. Antes de mais, o Compositor em Residência, que este ano será Georg Friedrich Haas, nascido em Graz em 1953 e radicado em Nova Iorque. Haas é sem dúvida um dos grandes criadores musicais do nosso tempo, cuja obra alia a força e o carisma a uma componente de "culto" que empresta uma aura especial a certas composições suas.
Para lá de oito concertos espraiando-se pela temporada com obras suas, três ocasiões merecem destaque: a estreia portuguesa de dark dreams (2013), para grande orquestra, encomenda conjunta da Filarmónica de Berlim e do Carnegie Hall, cuja estreia foi dada pelos Berliner, dirigidos por Simon Rattle, a 20 de fevereiro de 2014. Ser tocada no Porto a 19 de janeiro. Também a estreia mundial de uma obra para ensemble, pelo Remix, em novembro; e a estreia portuguesa do seu Concerto para violino n.º 2 (obra de que a CdM foi co-comanditária), em dezembro, por Miranda Cuckson, aliás dedicatária da obra, que a estreou a 7 de setembro último, em Tóquio.
Temos depois dois artistas em associação: o violinista vienense Benjamin Schmid e o cravista alemão Andreas Staier. Benjamin Schmid é um violinista todo-o-terreno, com um à vontade natural em todo o repertório - basta observar a sua discografia -, do Barroco à nova música, e cuja curiosidade e largueza de perspetivas o levam inclusive a dedicar-se com regularidade ao jazz. Tem tocado ocasionalmente em Portugal integrado no DSCH-Schostakovich Ensemble de Filipe Pinto-Ribeiro.
Já Andreas Staier dispensa apresentações, pois é felizmente uma presença regular no nosso país nos últimos 20 anos. Estará no Porto para dois concertos no início de novembro, sendo de destacar o lugar que neles ocupará a obra de Carlos Seixas (1704-42), compositor objeto de recente gravação por parte do alemão.
Por fim, o jovem compositor em residência será o lisboeta Gonçalo Gato (n. 1979), que entre outubro e dezembro irá dar a estrear três obras (para trio com piano, para grande ensemble e para orquestra) na Sala Suggia. Gonçalo Gato escreveu recentemente a obra "Fantasia" para a Sinfónica de Londres e tem em G. F. Haas um dos compositores do seu panteão pessoal. É doutorado pela Guildhall School, tendo o compositor Julian Anderson sido o seu orientador.
Linhas programáticas
Os dois principais esteios da programação são a integral das sinfonias de Bruckner e a integral dos concertos para violino de Mozart (quatro deles por B. Schmid). Quanto a Bruckner, trata-se só da segunda integral em Portugal, sucedendo à realizada pela Orquestra Gulbenkian há cerca de uma década. Esta viagem pelas nove grandes obras do mestre de Linz (também será executado o seu Te Deum) trará ao Porto maestros como Michael Sanderling (n.º 7 e n.º 2), Eliahu Inbal (n.º 4), John Storgards (n.º 8, no Porto e em Lisboa), Michael Boder (n.º 9) e Vassily Sinaisky (n.º 5). Outro destaque merece o ciclo Música & Revolução (20-29 abr.), dedicado à música de Anton Webern e no qual participará o referencial Quarteto Arditti.
O ciclo de piano tem nove datas, nele pontificando os nomes de Ingolf Wunder, Alfred Brendel (conferência-recital), Richard Goode e Grigori Sokolov. No jazz, avultam os nomes de Terence Blanchard, John Scofield, Joshua Redman+Billy Hart e Peter Evans, sendo só de lamentar que não haja Áustria nesta área, já que a cena jazzística vienense é muito rica e vívida.
Do lado do cinema com música ao vivo, teremos Há lodo no cais (E. Kazan/Bernstein), tocado pela Sinfónica (17 jan.) e o clássico expressionista O gabinete do Dr. Caligari, com banda sonora de Wolfgang Mitterer, tocado pelo Remix (20 jan.).
Fora da Casa e do Porto, a Orquestra Barroca irá a França e Alemanha, Viena e Queluz, sempre com Andreas Staier; o Remix irá a Hamburgo, Antuérpia e Colónia; e a Sinfónica, como foi dito, estará em Lisboa a 26 de março para a Oitava de Bruckner (CCB).