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Não dá para se falar de surpresas, já que há uma providência cautelar e a consequente suspensão do concurso de apoio estatal a precedê-las, mas os recentes cancelamentos de espectáculos por parte da Seiva Trupe, do Teatro de Marionetas do Porto e do Pé de Vento põem os espíritos mais pessimistas a pensar no início da catadupa, que é como quem diz, no espectro do fim das companhias teatrais do Norte. Imposta em Abril pela companhia Panmixia, uma das quatro excluídas por um concurso cuja validade contestou, a providência cautelar impediu, até hoje, a atribuição de dinheiros a diversas companhias de teatro da região Norte.

Os dois primeiros casos acima citados não são, porém, de suspensão de actividade, mas apenas de congelamento da produção. Seiva Trupe e Teatro de Marionetas do Porto, a braços com avultadas dívidas que não sabem como nem quando poderão saldar, limitam-se a repor peças antigas, vivendo, por assim dizer, dos rendimentos. Mas ambos têm a máquina produtiva pronta a disparar, mal o dinheiro chegue. O mesmo se passaria com o Pé de Vento, não fosse a decisão de fechar portas - ou reduzir o funcionamento à manutenção dos serviços mínimos no Teatro da Vilarinha - enquanto a situação não se resolve. Daqui até ao fim do ano, é possível que outras companhias se lhes juntem.

"Angustiante" é como António Reis, director da Seiva Trupe, define o momento. "Por um lado, a estrutura da companhia e todo o seu historial de 33 anos não se compadecem com um fim assim, daí que não possamos parar. Por outro, temos dívidas na ordem dos 300 mil euros e não sabemos, para já, como pagá-las, o que nos impede de assumir novos compromissos."

Um terço desse montante é o que deve o Teatro de Marionetas do Porto, há 17 anos no activo. Pela excelência do trabalho ali realizado, são muitos os contratos que ainda vigoram até Dezembro para realização de espectáculos, de cujas receitas o colectivo vai sobrevivendo. Ali, como na Seiva Trupe, ninguém baixa os braços, mas se António Reis diz confiar "que o juiz do Tribunal Administrativo do Porto acorde um dia destes bem-disposto e resolva o caso", João Paulo Seara Cardoso, o homem das marionetas, não revela o mesmo optimismo "Neste momento, as minhas esperanças acabaram, porque se o processo já estava atrasado, com a greve dos tribunais mais atrasado ficará." João Luís, por seu lado, não vaticina nada, mas, enquanto director do Pé de Vento, cujas dívidas ascendem a 90 mil euros, assume-se manietado e refém da decisão da justiça: "Sentimo-nos sequestrados. Se o Ministério da Cultura não tem o processo em mãos, vamos reagir contra quem?"

De Abril até agora, já muitas opiniões mudaram, no seio teatral, sobre a interposição da providência cautelar por parte da Panmixia. A verdade é que, com o arrastar do tempo e o agravar das dificuldades financeiras, mais vozes se juntam contra a atitude do colectivo liderado por José Carretas. António Reis reconhece ter havido "legitimidade para pôr em causa o concurso, dadas as ilegalidades de que ele está eivado", mas também entende que "a providência cautelar não aproveita a ninguém, obstaculizando mesmo o trabalho de 21 companhias do Norte". Para João Paulo Seara Cardoso, não se justifica fazer da Panmixia o bode expiatório de uma situação que tem muitos culpados "Primeiro, foi um ano gravíssimo de subfinanciamento à produção artística em Portugal. Depois, o País foi dividido em áreas, cabendo a cada uma delas uma verba correspondente a uma nova atribuição de subsídios aos grupos que já existiam. Entrar mais uma companhia nunca seria possível, e a Panmixia sabia disso. Sou o primeiro a dizer que o regulamento é absurdo e que o júri era incompetente, mas, a partir do momento em que o mal geral passa a ser tão grande que se sobrepõe a um interesse particular, a Panmixia devia ter recuado." Idêntico juízo faz João Luís, para quem "o tempo fez perder o sentido inicial da interposição da providência", na medida em que "todos saíram prejudicados, incluindo a própria Panmixia". Segundo o director do Pé de Vento, "as companhias poderiam ter trabalhado sob protesto, discutindo com o governo para que fossem feitas as devidas correcções no concurso de 2006".

Com a corda na garganta, qualquer destas estruturas teatrais do Porto está, de momento, suspensa de mãos alheias, como uma marioneta. A ironia estende-se ao facto de a peça cancelada pela Seiva Trupe ter como título "Oxigénio", justamente o que começa a escassear. António Reis alerta para a "necessidade de resolver tudo até ao fim do ano, sob pena de a dívida do Estado prescrever". Aí é que, das duas uma, ou fecha tudo ou é um pé de vento.

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