Sir Elton John pelas estradas da América
À primeira canção, começa a viagem no tempo: poderia ter saltado diretamente dos anos 1970, com o apelo irresistível do piano boogie, com o isco de uma letra que remete para as boémias descontroladas da época, com cheiros misturados de Dr. John, Billy Joel e Bruce Hornsby. Ou, se quisermos manter o assunto dentro de casa, este tema-título ressalta como uma sequela à altura de Honky Cat... 44 anos depois. Quanto ao álbum, terceiro capítulo na ligação de Sir Elton John com o notabilíssimo produtor T-Bone Burnett (cujos créditos curriculares preencheriam sem esforço todo o espaço disponível para este texto, bastando lembrar que já lhe passaram pelas mãos Elvis Costello, Los Lobos, Counting Crows, The Wallflowers, Cassandra Wilson, o grande Roy Orbison, Brandi Carlile, Alison Krauss, Robert Plant e John Mellencamp, só para citar uma dezena de notáveis), o protagonista emerge nos antípodas do intimismo que marca The Diving Board, o seu capítulo anterior, publicado em 2013. Recuperando muita da energia que moldou discos como Goodbye Yellow Brick Road, A Single Man ou Jump Up!, o cantor não tem pejo em encarnar um "velhinho moderno", capaz de agitar as massas e, desta vez, mais preocupado com o balanço do que com o embalo.
Elton John tem 68 anos, Wonderful Crazy Tonight é o seu 32.º disco de estúdio, porventura o último antes de assinalar meio século de gravações "oficiais". Fica claro que, tal como aconteceu com as suas últimas investidas, não se espera vir descobrir aqui a revolução. Mas, desde logo, há um atributo que justifica a "chapelada": com pormenores distintivos, com o regresso aos discos dos seus velhos companheiros dos espetáculos (o percussionista Ray Cooper grava com Elton pela primeira vez desde 1995, regressando também o guitarrista Davey Johnstone e o baterista Nigel Olsson), com aquilo que soa como um choque vitamínico capaz de acelerar a batida geral, e não apenas a cardíaca, o homem não se afasta dos seus formatos habituais. Não renova, é certo; mas não renega. E, num quadrante específico, esta fidelidade aos princípios, com melodias bem talhadas, com recurso a um refrão forte, com "enredos" que misturam vivências próprias e observações atentas, já funciona como um elemento redentor contra mudanças apressadas e atualizações ditadas pela moda. Elton John é, acima de tudo, sólido e "teimoso", deixando as excentricidades para a cor de cabelo e para o formato dos óculos. Quem o segue, e muitas vezes vale a pena não o perder de vista, sabe aquilo com que conta.
Veja aqui o vídeo:
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O apelo dos Estados Unidos
Em 1995, gravou um álbum de título inequívoco: Made in England. Mas esse apego à terra-mãe (nasceu em Pinner, Middlesex, a 25 de março de 1947) esbateu-se bastante depois da viragem do século e, garantem alguns mais chegados, depois da tragédia que vitimou a sua grande amiga e cúmplice Lady Diana Spencer, morta em agosto de 1998. Seja por razões políticas, fiscais, culturais, de abertura de horizontes, o século XXI carrega para Elton a dimensão norte-americana. Em 2001, gravou Songs from the West Coast, título evidente, com produção de Patrick Leonard, um yankee que se tornou conhecido ao compor e produzir para Madonna, trabalhando, mais tarde, com Bryan Ferry, os Pink Floyd, Leonard Cohen, Marianne Faithfull ou Robbie Robertson). Em 2004, publicou Peachtree Road, título que aponta para a mais conhecida artéria da cidade de Atlanta, Georgia, em que possui uma casa. Após o intervalo do autobiográfico The Captain and The Kid (2006), gravou, em parceria com o norte-americano Leon Russell, o excelente The Union, lançado em 2010. E foi esse o momento em que se cruzou com T-Bone Burnett, que voltou a assumir o papel de produtor em The Diving Board e, agora, em Wonderful Crazy Night.
O resultado desta ligação passa muito pelo preenchimento sonoro nas canções de John e do seu velho cúmplice Bernie Taupin. Meticuloso, Burnett não descura os pormenores que possam engrandecer (não é sinónimo de complicar) os temas postos à sua disposição. Desde logo, parece pertencer-lhe a responsabilidade por um regresso do piano de Elton John a uma posição destacadíssima. Depois, quanto ao "embrulho" das criações - e são 12, neste disco -, o produtor surge capaz de "descomplexar", não fugindo, por exemplo, a uma certa aproximação ao country (Blue Wonderful ou I"ve Got 2 Wings) ou a um mergulho em terrenos em que se cultivam os blues ou o rockabilly (bem evidentes em Looking Up, Guilty Pleasure, até em England and America), além da inevitável balada clássica, figura de estilo tradicional nos discos de Sir Elton (chama-se, neste caso, Good Heart, e merecia estar acompanhada de mais umas congéneres, uma vez que há muito se transformaram em "especialidade da casa".
Bis em Portugal
Esta energia renovada - e, pelos vistos, renovável - de Sir Elton não se cinge às propostas de um disco que tem condições para repetir o desempenho comercial de The Diving Board. No álbum, e tal como confessou à revista Rolling Stone, o autor quis "ir de uma ponta à outra do disco sempre com um tom de otimismo, independentemente do ritmo ser mais alto ou mais baixo". Agora, o quase septuagenário lança-se numa digressão que, à partida, conta com mais de 50 espetáculos marcados. Dois deles ajudarão Elton John a "percorrer" Por- tugal: a 11 de dezembro, caber-lhe-á lotar, com nostálgicos mas não só, o MEO Arena, em Lisboa. Antes disso, há de marcar presença na sessão de abertura do Festival Marés Vivas em que figura como cabeça de cartaz. A agenda indica o serão de 14 de julho, quase 45 anos depois de ter abrilhantado a primeira edição do Festival de Vilar de Mouros, um pouco mais a norte. Em ambas as ocasiões, esperam-se - evidentemente - os grandes clássicos. Mas podemos ficar descansados: as novas canções, já sem a voz de outrora mas com assinatura reconhecida, também não vão soar nada mal.