Ser voluntário na Feira do Livro: exploração ou oportunidade?
Um abaixo-assinado intitulado "Não ao abuso de 'voluntários' na Feira do Livro de Lisboa" reúne já centenas de assinaturas. Lançado na página de Facebook da escritora Alexandra Lucas Coelho e na de Helena Ales Pereira, diretora de Comunicação da Penguin Random House/Companhia das Letras, na última sexta-feira, o texto deverá ser entregue ainda nesta semana "em forma de carta" à Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), que, com o apoio da câmara municipal, organiza a feira.
Em causa está o trabalho não remunerado dos voluntários que por estes dias, e até 13 de junho, trabalham na Feira do Livro de Lisboa, atualmente a decorrer no Parque Eduardo VII.
As assinaturas "não estão contadas ainda", disse ao DN Alexandra Lucas Coelho, mas o número "vai na casa das centenas". Questionada sobre o que motivou este abaixo-assinado, a escritora afirma que "muitos de nós não tinham bem ideia da situação dos 'voluntários' na feira do livro de Lisboa, em contraste com tudo o que a APEL recebe, entre quotas, pagamentos, subvenções, apoios e rendimentos comerciais. Mas infelizmente isto já dura há anos."
Entre as assinaturas contam-se nomes como o da editora da Tinta da China Bárbara Bulhosa, os escritores Valter Hugo Mãe, Rui Cardoso Martins, Alice Vieira, Patrícia Reis, Inês Pedrosa, Tiago Salazar ou a brasileira Tatiana Salem Levy, a atriz São José Lapa, os jornalista Anabela Mota Ribeiro e Paulo Moura, ou o professor universitário e escritor Pedro Eiras. "Esperamos que esta mobilização possa levar a uma mudança séria", remata Lucas Coelho em resposta ao DN.
Lê-se no texto proposto:
"Nós, os abaixo-assinados, estamos contra o recrutamento de "voluntários" para trabalhar na Feira do Livro de Lisboa, feito pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL).
A APEL recebe das editoras muitos milhares de euros pela presença na feira, além das quotas e de outras subvenções. A APEL tem dinheiro, ou devia ter, para remunerar quem recruta durante a feira.
Para aliciar estes "voluntários", a APEL invoca o contacto com livros e autores. Estar em contacto com livros e autores não é remuneração de ninguém. Aqueles de entre nós que contribuem para que os livros sejam feitos e circulem recusam-se a ser usados como isco.
É bom poder dar tempo e trabalho a quem entendermos, e deles precisa. Não é o caso da APEL. Este abuso sistemático tem de acabar já na feira de 2018. Quem foi recrutado deve ser remunerado."
Contactada pelo DN, a APEL afirmou que "conhece, respeita e cumpre a Lei do voluntariado" e que assegura aos seus voluntários seguro de responsabilidade civil, e pagamento das refeições e de transporte.
A instituição afirma ainda, em comunicado, que o programa de voluntariado, em funcionamento desde 2013, "tem permitido a vários voluntários uma aproximação às empresas do setor que de outra forma não seria viabilizada. Em resultado, cerca de um quinto dos voluntários conseguiu emprego em editores presentes na Feira do Livro de Lisboa".
Os cerca de 20 voluntários ajudam, em turnos de quatro horas, os visitantes da feira com questões relativas à localização e outras informações práticas, além de ajudarem na logística que diz respeito aos autógrafos dos autores, explicou ao DN fonte da APEL.
No comunicado, a instituição afirma ainda que é "uma instituição sem fins lucrativos", e que não se deve confundir a sua atividade com a dos editores participantes, esses sim com uma atividade comercial, mas sem qualquer colaboração de voluntários".
Atualmente a prática, recorde-se, não é invulgar. Eventos como a Eurovisão, neste ano, o Rock in Rio ou a Web Summit também recrutam voluntários.
[Artigo atualizado às 12.20 com declarações de Alexandra Lucas Coelho]