Seis décadas celebradas com 120 anos de obras de arte na Gulbenkian
Para quem se habituou a visitar a galeria temporária do Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a primeira mudança é que não vai ser preciso bilhete para entrar. A exposição, inaugurada hoje e aberta ao público a partir de amanhã, é gratuita. Outra mudança: a entrada faz-se pelo museu e não pela sede. E mais uma alteração: as peças do século XX, até agora com lugar cativo no Centro de Arte Moderna, fazem parte do percurso de Linhas do Tempo, uma celebração de seis décadas de vida da instituição fundada em 1956 por decisão de Calouste Gulbenkian.
É com as moedas gregas, primeiro objeto colecionado pelo milionário de origem arménia que começa a exposição, um caminho por 120 anos de aquisições, nos 60 anos de vida da instituição. "Recuámos 60 anos no tempo", explica Penelope Curtis, diretora do museu desde setembro de 2015.
O centro é simbólico, mostrando o último tapete, exemplar oriental, que Gulbenkian adquiriu em 1955, um ano antes da sua morte. A última metade reflete as aquisições do Centro de Arte Moderna, a partir dos anos 60.
A "elasticidade do tempo" é o que o Penélope Curtis, quer mostrar com a exposição Linhas do Tempo - As Coleções Gulbenkian. Caminhos Contemporâneos. "O tempo é multidirecional", diz, durante a apresentação à imprensa, explicando que não houve opção. "Tinha de fazer, estamos na celebração dos 60 anos da fundação".
Está é a primeira exposição com a sua curadoria, em colaboração com João Carvalho Dias e Patrícia Rosas Prior. Ele vasculhou os arquivos do museu da fundação, ela mergulhou na documentação do Centro de Arte Moderna (CAM). Com a exposição, entra-se em nova fase: a direção do museu e do centro de arte moderna é a mesma (ver caixa). "Também achámos que era o momento ideal de juntar as duas coleções", sublinha.
A fusão salta à vista com um conjunto de cadeiras: três exemplares dos anos 30 comprados pelo Centro de Arte Moderna em 1983 - o carrinho de chá do arquiteto finlandês Alvar Aalto, a cadeira de Mies van der Rohe ou a de Le Corbusier -, concebidas quando Calouste Gulbenkian era já um colecionador de arte estão em diálogo com uma cadeira do século XVIII, peça de decoração da casa da Avenida d" Iéna.
"O século XVIII estava muito na moda nos anos 20 do século XX, mas ao mesmo tempo que compra esta peça também encomenda um toucador moderno art déco, a Edgar Brandt, em 1927", nota a diretora.
Penelope Curtis quis acrescentar à data que produção da obra, uma segunda informação: a data de aquisição. E fala em três níveis de leitura da exposição. A primeira, à vista desarmada. "Penso que está apelativa", diz, lançando o olhar pela galeria de exposições, sem paredes ou separações, deixando vista desafogada sobre o conjunto. Há uma segunda leitura, média: estética. "Percebemos o gosto, não só do colecionador mas da época, e das tendências". Sobre Calouste Gulbenkian, a curadora acrescenta: " "Ele gosta de muitas coisas ao mesmo tempo". Misturam-se as portas do elevador da casa de Paris, exemplar art déco, com as tapeçarias, a pintura e as artes decorativas, numa época em que o mercado do luxo, pós- I Guerra Mundial, começa a despontar. Há, finalmente, uma terceira maneira de olhar: Peça a peça. "É uma exposição cheia de mini-histórias".
Uma intervenção subtil
Além da exposição Linhas do Tempo, até 4 de outubro o museu recebe 13 convidados de verão, artistas contemporâneos cujas obras se podem ver em relação com o acervo da coleção do fundador. "Não quero alienar ninguém, mas quero trazer pessoas novas", frisa Penelope Curtis. Fala, por isso, em "mudanças subtis". Uma delas foi selecionar trabalhos dos artistas agora representados, em vez de encomendar obras novas. A única exceção são os bancos de jardim revestidos a aço, uma ideia que Fernanda Fragateiro já queria desenvolver.
Na entrada, no lugar do Apolo (agora na exposição Linhas do Tempo) estão agora ar e ossos, uma visão da "desmaterialização dos órgãos", segundo a curadora Leonor Nazaré.
A entrada em cena das peças contemporâneas, é um jogo: sobre a tapeçaria oriental está agora um batedor de tapetes. "É em borracha, mede 4,6 metros e tem 20 quilos. Parece muito pesado...", diz Leonor Nazaré. Na sala de porcelana chinesa, Bela Silva mostra oito exemplares em cerâmica. Os dragões assemlham-se aos das peças e não é coincidência. "A artista confirma que veio aqui e que esta sala é uma inspiração", diz Leonor Nazaré. E junto às caixas de bolso japonesas, peças em fimo, de pequenas dimensões, e quase desconhecidas, de Rui Chafes. Com cor, e muito longe do ferro negro que habitualmente trabalha. Têm 25 anos. Sublinha Penelope: "Não era preciso ser novo".