Reino Unido como íman para moderna composição portuguesa
Chegada do Ano Britânico à Casa da Música tem o seu reverso no Reino Unido como
destino de muitos compositores portugueses nos últimos 20 anos em busca de formação avançada e de oportunidades de afirmação
O que explica a atual pujança da música britânica em termos de criação? Foi um pouco para tentar obter uma resposta a esta questão que procurámos quatro compositores portugueses, de linguagens bem diferenciadas, que escolheram o Reino Unido na fase terminal dos seus estudos. São eles Carlos Azevedo, 52 anos, natural de Vila Real, mas fixado no Porto; Ângela da Ponte, 32 anos, açoriana de Ponta Delgada e também radicada no Porto; e os lisboetas Gonçalo Gato, 37 anos, e Nuno Dario, 42 anos.
A atratividade do Reino Unido e seu meio académico é fenómeno recente na composição em Portugal. Curiosamente, o moderno ensino da disciplina no nosso país teve num pedagogo e compositor inglês aqui fixado - Christopher Bochmann - figura marcante.

Respondendo à questão com que começámos, Ângela, uma mui recente doutorada pela Universidade de Birmingham, aduz: "a grande liberdade de expressão que motiva os compositores a desenvolverem a sua própria linguagem" e o "investimento das universidades em material e espaços". Por outro lado, "há uma convivência harmoniosa entre a academia e todo o "submundo" das expressões alternativas e experimentais". Já Carlos, que concluirá em breve o seu Doutoramento na Universidade de Sheffield, refere primeiramente o "muito investimento em encomendas, gravações e promoção da sua música; além do investimento em pessoas e estruturas", reforçado pelas "muitas escolas, onde estão grandes referências da composição e pedagogia". Tudo parte de uma "aposta deliberada na criação nova, que lá é maciça". E conclui: "com isto tudo, depois é uma "bola de neve"!".
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Nuno Dario, que terminou o doutoramento na londrina Royal Holloway em 2013, começa por salientar "a multiculturalidade e a absorção do que é diverso, alternativo, novo", geradora de "grande liberdade criativa e de espaços de experimentação". Noutro plano, define as universidades como "pólos criativos, onde se gosta de experimentar e descobrir novos caminhos, e onde há uma cultura de estar na vanguarda". Por fim, Gonçalo, doutorado em 2015 pela Guildhall School de Londres, defende que os ingleses "perceberam que a inovação dá poder simbólico e liderança. E isso atrai as pessoas a irem para lá". Mais diz: "eles abraçam as ideias novas pois sabem que ali poderão estar propostas estéticas com futuro". E coincide com Carlos na identificação de um "esforço por estar na linha da frente", que é "uma filosofia muito enraizada", abraçando a noção de "uma sociedade envolvida na celebração da arte".

Gonçalo teve por orientador o compositor Julian Anderson e do seu mestre destaca uma obra que ouviremos em outubro: "a Alhambra Fantasy, uma obra importante pela liberdade estética que exibe e pelas inquietações que gera". Deste fim de semana de abertura do Ano Britânico na Casa da Música, Gonçalo, à semelhança de Ângela e Carlos, destaca Earth Dances de Birtwistle: uma "peça fundamental", à qual, diz-nos Ângela, "já chamaram a Sagração da Primavera do século XXI". Já Carlos fala de "uma obra potentíssima, que leva o pessoal aos píncaros".
Mas Carlos espera outra coisa: "no dia 31, estreia uma obra minha, pelo Quarteto de Matosinhos. Chama-se Brexit? e acaba com uma citação toda desafinada da Marcha de Pompa e Circunstância, do Elgar! Mas é só uma blague, não um statement político!", acautela. Dos compositores ingleses que se ouvirão no Porto, destaca "Adès e Birtwistle, pela mestria de escrita: não são capazes de escrever senão bem" e lamenta só que não se ouça "obras de [Mark-Anthony] Turnage e de [Simon] Bainbridge, e de mais mulheres para além da Rebecca [Saunders]". Igual reparo faz Ângela em relação às compositoras e a Turnage, a que junta "a falta da música eletrónica, que tem forte presença em Inglaterra". Gonçalo gostaria que houvesse algo de Michael Finnissy, enquanto que Nuno refere nomes ligados à área audiovisual (onde ele se move) suficientes para um novo "veio" de programação: "George Fenton, John Hopkins, Tansy Davies, Anna Meredith, Gabriel Prokofiev, Max Richter".
E quem sabe, talvez se encontrem todos quatro este fim de semana na Casa da Música.