Prémio Pessoa para revelação bíblica de Frederico Lourenço

Frederico Lourenço não esperava ser o Prémio Pessoa deste ano. Foi o que confessou ao DN.
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O professor Frederico Lourenço não seria o candidato mais previsível até ontem ao meio dia, hora em que religiosamente foi anunciado ser o mais recente Prémio Pessoa. A partir dessa revelação do júri reunido no Palácio de Seteais, que tinha sobre os ombros também a responsabilidade de honrar uma distinção que celebra três décadas de existência, ficou claro que Lourenço era o denominador comum de um português a glorificar. Como se fosse um dos protagonistas cuja existência homérica tem traduzido do grego e que ficaram na História ao longo dos últimos dois mil anos, no cenário da Ilíada e da Odisseia por exemplo. Não bastasse esses heróis, decidiu recriar um "novo" Jesus através da tradução da Bíblia.

Da grega, claro, afinal é o tradutor mais oficial desta língua no seu aspeto clássico em Portugal. Foi essa uma das razões para ser o 33º Prémio Pessoa, conforme a ata do júri: "Constitui um exemplo de disciplina, capacidade de trabalho e lucidez intelectual no elevado plano dos estudos clássicos e humanísticos, parte fundamental da vida cultural e científica dos países desenvolvidos." Esse "traço singular" de Lourenço ofereceu "à língua portuguesa as grandes obras de literatura clássica". Foi assim que o presidente do júri, Francisco Pinto Balsemão, clarificou os motivos para premiar o académico de 53 anos, a quem não falta muita obra de cariz pessoal e confessional, bem como a de amante especialistas de várias artes - como o ballet, poesia, música e teatro -, mesmo que a forte presença da tradução do grego da Bíblia ofusque por agora toda a sua atividade, designadamente até à data - daqui a um par de anos - em que pretende fechar o ciclo com a publicação dos seis volumes da Septuaginta.

Frederico Lourenço não esperava ser o Prémio Pessoa deste ano, foi o que confessou ao DN nas horas que se seguiram ao anúncio: "Fiquei muito surpreendido porque não estava de todo à espera." Considera que "não é uma distinção que caia do céu", portanto o anúncio deixou-o "muito feliz".

Poderá ser este Prémio o corolário de um ano em que levou a Bíblia de novo à primeira linha do interesse das pessoas? "Sim, eventualmente a saída do primeiro volume da nova tradução da Bíblia talvez tenha sugestionado o júri", diz. Logo acrescenta: "Talvez tenham querido premiar alguém na área dos estudos clássicos e das literaturas antigas, o que é a uma das melhores formas de dar uma boa visibilidade a esta área, onde são poucas as ajudas oficiais."

Para Frederico Lourenço, o latim e o grego são línguas que se encontra numa má situação: "Porque não dão uma perspetiva profissional de retorno imediato e quem se lhe dedica precisa investir bastante e ter muita paciência." Questiona-se se esta não é uma tentativa do júri para alertar os poderes públicos para a importância do que não é imediato apesar do seu grande valor cultural: "Creio que sim, porque o Prémio foca uma área que tem um valor milenar e que corre o risco de ser esquecida entre nós. Sou um grande apologista de que o grego e o latim tenham um lugar muito importante no ensino secundário e universitário no nosso país e que deve ser incentivado, mas tal não acontece na prática."

Será esta concessão do Prémio Pessoa um novo alento para o tradutor do grego. Responde: "Foi ótimo, mas não preciso desse alento porque estou muito convicto do que estou a fazer e realizo o trabalho com uma grande paixão. Mas é um reconhecimento e um voto de confiança para continuar: Isso deixa-me feliz."

O sucesso editorial do primeiro volume da Bíblia também surpreendeu Lourenço: "Nunca sei prever o sucesso das coisas, mas achava que os textos da Bíblia são suficientemente interessantes para as pessoas terem, ao fim de dois mil anos, ainda curiosidade para os ler e conhecer sob outra tradução. Tinha essa certeza, mas o que desconhecia era quantas pessoas se iriam interessar pelo livro. Fico contente por haver muitos."

Quanto aos novos interesses que esta tradução do Livro poderá criar em Frederico Lourenço, como o de um maior conhecimento do pensamento teológico, este nega tal possibilidade: "O meu interesse é cada vez mais histórico, pois estou sempre a tentar recriar - e reimaginar - na minha cabeça o Jesus real, ou o São Paulo real; quem eram estas pessoas de verdade e o que disseram realmente. Quão perto dessas figuras históricas conseguimos chegar? Considero-me mais um historiador do que um teólogo porque é a História que me fascina."

Coro de reações

Pode dizer-se que o coro de reações ouvidas após se ter conhecimento da atribuição do Pessoa a Frederico Lourenço foi grande e afinado. Desde logo o presidente da República: "Fico muito alegre, muito feliz, como cidadão, como académico e como Presidente da República. Trata-se de uma personalidade ímpar na nossa cultura, trata-se de uma obra também ímpar. As pessoas das mais diversas sensibilidades, religiões, culturas, consideram que é uma obra marcante, e Frederico Lourenço é de facto uma personalidade marcante na universidade portuguesa, na cultura portuguesa".

O antecessor de Lourenço, o escultor Rui Chafes, também comentou: "Absolutamente justa e extraordinária e mantém mais uma vez a integridade do Prémio, que tem vindo a ter um comportamento isento e exemplar. As culturas clássicas não podem ser esquecidas, e pessoas como Frederico Lourenço são essenciais para manter a chama viva." Para o sociólogo António Barreto, a atribuição valoriza "um trabalho académico muito sério, e que foi muito procurado pelo público, levando os grandes clássicos da literatura universal aos "tops" de vendas. Há pessoas, que privilegiam o trabalho em equipa, outras o solitário. O júri tem sabido recompensar ambas as opções".

Do lado editorial, o responsável da Quetzal pelo grande projeto de tradução da Bíblia grega, Francisco José Viegas, referiu que foi premiada "uma pessoa que ao longo de anos desenvolveu um trabalho absolutamente notável com grande dedicação, empenho e sensibilidade para a divulgação das letras clássicas, raiz da nossa da cultura".

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