Prado puxa dos galões e defende autoria dos seus Bosch

Após cinco meses de quase silêncio, o Museu do Prado respondeu ao grupo de especialistas holandês que retirou a autoria a três dos seus quadros de Bosch

Ponto por ponto, Miguel Falomir e Pilar Silva mostraram porque razão não partilham nem aceitam as conclusões do Bosch Research and Conservation Project (BRCP) que retirou a autoria de Bosch a três dos seis quadros deste pintor holandês que o Museu do Prado tem na sua coleção. Foi a primeira vez que falaram desde que foram conhecidos os resultados do grupo de especialistas, ligado ao Museu de Noordbrandts, em Hertogenbosch, a 80 km de Amesterdão, cidade natal de Hieronymus Bosch (c.1450-1516). A polémica estalou estava dezembro mesmo a acabar e na altura Miguel Falomir, diretor adjunto de Conservação e Investigação do Museu do Prado, prometeu uma resposta para o momento em que o museu espanhol inaugurasse a sua grande exposição temporária deste ano, El Bosco, a Exposição do V Centenário.

E esta manhã, durante uma visita para os jornalistas a anteceder a abertura ao público na terça-feira, fê-lo com cerimónia e puxando dos galões da instituição madrilena. Durante duas horas, tanto Falomir como Pilar Silva, a comissária da exposição e especialista na obra de Bosch, desdobraram-se em entrevistas sobre a importância da exposição e de Hieronymus Bosch (c.1450-1516) na história da arte, classificando-o repetidamente como um dos pintores mais "originais" e "criativos". Mas recusaram-se a fazer qualquer comentário sobre as polémicas conclusões do grupo ligada ao museu holandês que durante sete anos estudou todas as obras atribuídas a Bosch e aquelas em que havia dúvidas sobre a sua autoria, uma iniciativa que culminou na exposição Bosch, Visões de Génio, que entre 8 de fevereiro e 13 de maio levou mais de 420 mil visitantes ao museu da cidade onde nasceu Bosch.

Foi só depois, perante um auditório com cerca de duas centenas de pessoas, que finalmente acabaram com a expectativa. "Respeitamos as conclusões [do BRCP] mas não as partilhamos. E não o fazemos por imobilismo ou porque defendemos a todo o custo as nossas obras". Abertas as hostilidades e sem margem para qualquer dúvida sobre o rumo da sua comunicação, Miguel Falomir deu o exemplo de uma obra inicialmente atribuída a Velazquez e que, após estudos, o museu não teve qualquer problema em reconhecer que, afinal , não era do pintor espanhol.

Por isso, continuou, os especialistas holandeses "leram, estudaram, mas não nos convenceram nem em termos científicos, nem documentais, nem do ponto de vista da história de arte". E, na sua opinião, em qualquer destas vertentes, os argumentos que apresentaram não resistem à investigação que o Prado desenvolveu. Uma investigação que, sublinhou, "não é resultado de improvisação, antes um trabalho continuado com mais de duas décadas".

Em termos científicos, Falomir mostrou que os resultados das análises de dendrocronologia efetuados aos três quadros em questão - A Extração da Pedra da Loucura, As Tentações de Santo António Abad e a Mesa dos Pecados Mortais - mostram que a datação do suporte dos dois primeiros quadros permite a sua atribuição a Bosch, ao contrário do defendido pelo Bosch Project. Quanto à terceira pintura, é uma fonte documental, o Diário da Pintura de Filipe de Guevara que leva os especialistas ligados ao museu holandês a retirar a autoria de Bosch. O diretor adjunto do Prado fez questão de ler todo o trecho para a audiência. Ao falar do quadro, o intelectual espanhol diz que "exemplo desse género [de quadro repetido por seguidores de Bosch] é uma mesa que Vossa Majestade [Filipe II, I de Portugal] tem", seguindo-se uma descrição do que está representado no quadro. Ora, defendeu Falomir, os especialistas holandeses interpretaram mal a expressão "esse género, como qualquer pessoa que tenha a língua espanhola como materna percebe logo".

E Pilar Silva reforça esta questão: "Não acredito que Filipe de Guevara escrevesse ao rei a dizer que Filipe II tinha uma cópia e ele e que ele teria o original". Relativamente à observação das obras, Paula Silva foi explicando minuciosamente, mostrando estudos feitos à imagem subjacente dos três quadros em causa, colocando em evidência que a preparação "é a habitual em todos os quadros de Bosch". Ou seja, há várias alterações feitas entre o momento do desenho e depois na pintura, com várias camadas.

"O museu do Prado mantém a autoria das obras porque eu estou absolutamente convencida que são obras de Bosch. Ninguém, para além de Bosch, poderia ter feito uma composição como a da Mesa dos Pecados Capitais", disse, em resumo, Pilar Silva no final de quase uma hora de explicações.

Dir-se-ia que a curiosidade estava saciada e que a minúcia das explicações venceu todas as dúvidas. Mas ainda surgiu uma pergunta vinda da plateia: Não será possível que sejam do atelier e não da mão de Bosch? Falomir tomou a palavra primeiro, explicando que no século XV e XVI era normal os aprendizes trabalharem juntamente com os mestres na execução das pinturas, não sendo sempre possível determinar exatamente o que cada um fez. Mas, no caso concreto de Bosch, o mestre holandês gostava mesmo de ser ele a liderar o que se passava no seu atelier. E Pilar Silva explica. "Há documentos que mostram o grande envolvimento de Bosch, para pagar a vidreiros, a carpinteiros, tudo. Não era como Ticiano que até tinham de lhe passar o pincel", concluiu, com uma nota de bom humor.

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