Os dilemas de Jorge Bergoglio antes de ser Papa Francisco
"Francisco, o Papa do Povo", de Daniele Luchetti, estreia-se amanhã, e conta a história de Bergoglio durante a ditadura na Argentina.
"O que estou aqui a fazer?" Em março de 2013, Jorge Bergoglio, então cardeal de Buenos Aires, foi chamado a Roma para dar o seu contributo na decisão mais importante da Igreja Católica: a escolha do novo Papa. O ambiente no Vaticano é sumptuoso, mas Bergoglio mantém a simplicidade, lava a sua roupa e vai estendê-la no terraço, com vista para a Basílica. "O que estou aqui a fazer?", pergunta-se. E a pergunta leva-o numa viagem pelas suas memórias.
É assim que começa Francisco, o Papa do Povo, o filme que o italiano Daniele Luchetti realizou em 2015 mas que só agora, aproveitando a visita do Papa a Portugal nos dias 12 e 13 deste mês, se estreia no cinema. O filme conta a história de Bergoglio desde a vocação religiosa, surgida durante os anos da ditadura militar na Argentina, passando pelo trabalho pastoral nas periferias de Buenos Aires, até se tornar Papa.
Daniele Luchetti, que poderão conhecer de filmes como O Meu Irmão É Filho Único (2007) e A Nossa Vida (2010), ambos apresentados em Cannes e ambos com estreia em sala em Portugal, disse à Agência Ecclesia que no início do projeto não sabia "nada" sobre a vida do Papa, o que o levou ao país sul-americano para ouvir testemunhos. O realizador ouviu críticos do atual Papa, "antes, durante e depois" da realização do filme, mas decidiu apenas incluir aquilo que acreditava "ser verdadeiro".
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A obra é baseada no best-seller Francisco, o Papa do Povo, da jornalista Evangelina Himitian, editado em Portugal pela Objectiva. O filme foi rodado na Argentina, Alemanha e Itália ao longo de 15 semanas. O ator argentino Rodrigo de la Serna interpreta o jovem Papa e o chileno Sergio Hernández de Glória faz o Papa mais velho, nos dias de hoje.
Após a sua eleição, a 13 de março de 2014, Jorge Mario Bergoglio brincou, dizendo que os cardeais foram buscar um papa ao "fim do mundo". Afinal, Francisco - o nome que escolheu a pensar nos pobres, numa referência a São Francisco de Assis - é o primeiro papa oriundo da América Latina e também o primeiro jesuíta.
Bergoglio foi ordenado em 1969 e dedicou grande parte da sua vida ao ensino, tendo passado por colégios, seminários e faculdades. O filme acompanha o seu percurso e retrata acima de tudo o papel do atual Papa durante a ditadura de Jorge Videla na Argentina (1976-1983), acabando por dar mais atenção a esse lado político e ao papel da Igreja durante a ditadura do que propriamente aos aspetos religiosos.
Quando foi eleito Papa, surgiram insinuações de que Bergoglio teria sido cúmplice de algumas das atrocidades cometidas pelo regime, nomeadamente no desaparecimento de dois missionários jesuítas, detidos e torturados em março de 1976. Bergoglio sempre rejeitou responsabilidades neste caso. Foi ouvido pela justiça argentina na qualidade de testemunha, sem qualquer acusação, sobre crimes ocorridos neste período. O Vaticano repudiou as acusações "caluniosas e difamatórias" e salientou que "há provas de que fez muito para proteger as pessoas durante a ditadura". Essa é, aliás, a versão adotada pelo filme de Luchetti, que mostra como, apesar de sempre cuidadoso nas suas tomadas de posição públicas, nunca deixou de fazer o que estava ao seu alcance para ajudar na fuga e libertação dos oprimidos pelo regime.