Os desenhos animados já não são o que eram

50 anos depois da morte de Walt Disney, o império do Rato Mickey controla as produções Pixar e os novos filmes da Guerra das Estrelas.
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Walt Disney faleceu no dia 15 de dezembro de 1966, contava 65 anos - faz amanhã meio século. No título do seu obituário, o New York Times definia-o como alguém que tinha fundado "um império a partir de um rato". Ele tinha sido, afinal, o criador de "um mundo de desenhos animados com Mickey, Donald ou a Branca de Neve" que se transformara num "negócio anual de cem milhões de dólares".

Para os herdeiros familiares e artísticos, as coisas mudaram. Para melhor, se considerarmos as contas da tesouraria. Assim, segundo projeções estabelecidas por analistas do entertainment (nomeadamente na revista Forbes), o ano de 2016 vai ser mesmo imperial para os estúdios Disney, devendo encerrar com receitas superiores a 6 mil milhões de dólares, ou seja, 60 vezes mais que a performance do seu fundador.

São números relativos, importa acrescentar, sendo indispensável ter em conta o valor da inflação ao longo das décadas (calculado a partir da evolução do preço dos bilhetes). Veja-se o exemplo de Branca de Neve e os Sete Anões, primeira longa-metragem de animação produzida por Walt Disney, lançada em 1937. A sua receita de 184 milhões da altura corresponde, de facto, a 938 milhões do tempo presente, colocando-o no décimo lugar dos filmes mais rentáveis de sempre no mercado americano. No Top 100, é mesmo um dos dois únicos títulos da década de 30; o outro, E Tudo o Vento Levou (1939), com 198 milhões (mais de 1.700 milhões na atualidade), continua a ocupar o primeiro lugar, com mais de 200 milhões de "avanço" em relação ao segundo (A Guerra das Estrelas, 1977).

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Líder de mercado

A marca Disney vai terminar 2016 como líder das bilheteiras, devendo a sua performance corresponder a cerca de 25% das receitas do mercado dos EUA. É uma percentagem absolutamente excecional, sejam quais forem os termos de comparação que possamos convocar. A última vez que a Disney surgiu no topo da lista de receitas dos grandes estúdios de Hollywood foi em 2003 (ano do lançamento de À Procura de Nemo), nessa altura conquistando "apenas" 16,5% do mercado.

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Acontece que, entre os dez filmes mais rentáveis deste ano, a Disney tem a seu cargo a distribuição de nada mais nada menos que metade: dois desenhos animados (À Procura de Dory e Zootrópolis, respetivamente em primeiro e sexto lugar), duas aventuras de super-heróis resultantes da aliança com os estúdios Marvel (Capitão América: Guerra Civil e Doutor Estranho, segundo e nono) e uma fantasia infantil fabricada com os mais modernos efeitos visuais (O Livro da Selva, quarto lugar na tabela).

Poderia o próprio Walt Disney ter previsto tão espetacular evolução? Qualquer resposta será meramente especulativa, mas vale a pena sublinhar algumas significativas diferenças de contexto. Em meados da década de 60, os seus estúdios enfrentavam uma crise de identidade que está longe de poder ser entendida apenas através dos resultados de bilheteira. Aliás, mesmo o enorme sucesso de um filme como Os 101 Dálmatas (1961), 12º no top de todos os tempos, foi um fenómeno relativamente isolado num contexto de produção em acelerada transformação (1961 foi também, por exemplo, o ano de West Side Story, um musical decididamente muito para além dos cânones clássicos).

Um dos derradeiros projetos que Walt Disney coordenou foi Mary Poppins, cuja estreia ocorreu no verão de 1964 (os bastidores da respetiva produção foram tema do filme Ao Encontro de Mr. Banks, lançado em 2013, com Tom Hanks a interpretar Disney e Emma Thompson no papel da escritora P. L. Travers). Curiosamente, olhamos agora para Mary Poppins e, tendo em conta as revoluções técnicas dos primeiros anos deste século, não podemos deixar de reconhecer o sentido visionário do próprio Walt Disney, experimentando uma técnica que não era uma novidade - a combinação de atores de carne e osso com figuras animadas -, mas que nunca tinha sido aplicada com tal grau de sofisticação (ganhou o Óscar de melhores efeitos visuais).

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A marca de Katzenberg

Os anos que se seguiram foram de crescente secundarização dos desenhos animados, a ponto de a série de comédias iniciada com Se o Meu Carro Falasse (1968), tendo como inesperado herói um Volkswagen "Carocha", ter sido o símbolo mais forte de uma época em que, na paisagem de Hollywood, começavam a emergir nomes como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese ou Brian De Palma... Em boa verdade, foi preciso esperar até 1989 para que a "marca" Disney renascesse na animação, graças a A Pequena Sereia, dirigido pela dupla Ron Clements/John Musker (a mesma do recente Vaiana).

Jeffrey Katzenberg, então diretor do departamento de animação dos estúdios, viria a revelar-se uma personalidade decisiva em todo este processo, tendo presidido à gestação de sucessos como A Bela e o Monstro (1991), Alladin (1992) e O Rei Leão (1994). Mais do que isso, foi ele que estabeleceu um acordo com os estúdios Pixar que, em 1995, produziriam o filme de onde, por assim dizer, descendem todos os desenhos animados contemporâneos: Toy Story, a primeira longa-metragem de animação totalmente fabricada em computadores.

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Em 2006, a Pixar acabaria por ser adquirida pela Disney, num negócio de 7,4 mil milhões de dólares. Seis anos mais tarde, foi a vez da Lucasfilm (de George Lucas) passar a integrar o "império do Rato", por 4 mil milhões - o novo Rogue One: uma História de Star Wars chega esta semana às salas com chancela Disney. Algures numa galáxia muito distante, Walt Disney estará a observar, num misto de admiração e perplexidade.

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