"O humor ajuda a tornar a realidade mais suportável"

Gregório Duvivier diz que sente a falta de vir a Portugal e regressa agora com "Portátil". Para isso deixou gravado mais um programa "Greg News" (HBO) que conta com Ricardo Araújo Pereira entre os autores. Aliás, quer que RAP se naturalize brasileiro, para ter em quem votar.

Pela terceira vez, o coletivo brasileiro Porta dos Fundos traz Portátil a Portugal, uma peça onde o público determina parte do conteúdo. Arranca na sexta-feira em Lisboa, com César Mourão também no palco. O humorista carioca de 31 anos falou por telefone sobre a digressão, o programa semanal Greg News (disponível no youtube) e a situação no Brasil.

O que o faz voltar a Portugal?

As saudades, claro. Há quatro anos que vou pelo menos duas vezes por ano, não consigo ficar muito tempo sem ir e fico arranjando pretextos. Desta vez é a peça Portátil, de que gosto muito.

Fazem-na há dois anos e somam 100 mil espectadores. Porquê?

Amo fazê-la. É totalmente diferente a cada vez que se faz. Parte de uma ideia simples e ficamos sempre tão surpresos com o resultado quanto o público. É muito bom, não ficamos fartos.

É diferente fazê-la em Portugal?

Muito diferente. Gostamos mais de fazê-la em Portugal - que o Brasil não nos ouça... A peça tem um humor muito português. É nostálgica porque fala da infância - nós pedimos ao público para contar memórias - e os portugueses sabem na ponta da língua, muito melhor do que os brasileiros, contar as histórias, têm mais detalhes e fazem com eles um humor mais poético.

Algumas representações ficaram mais na memória, especiais?

Cada pessoa fala de uma história que se passou consigo, muitas vezes absurda. Em Portugal, uma pessoa contou a morte da melhor amiga, um tema de que normalmente não se fala. Foi um espetáculo engraçado mas fortíssimo.

A peça exige uma grande capacidade de improvisação da vossa parte. Têm muito treino?

Faço desde 2003 uma peça improvisada, o Z. É. Zenas Emprovisadas. Estudei no Tablado, uma escola de teatro do improviso, e o Luís [Lobianco] também sempre fez improviso. O Gustavo [Miranda] é um génio da improvisação, era ele que nos dava aulas.

Como juntaram o César Mourão ao Portátil em Portugal?

Conhecemos o César no ano passado e parece que está connosco desde o começo, é brilhante.

Tem um programa na HBO, o Greg News. Está a gostar de fazê-lo?

Muito, está a ser muito interessante porque em cada semana aprendo muito sobre um tema. Tenho pesquisadores e depois nós, na equipa de humor, estragamos essa pesquisa. O Ricardo Araújo Pereira escreve comigo.

Ele faz parte do programa?

O Ricardo escreve todas as semanas. Ele é o melhor humorista de língua portuguesa, na minha opinião, não só de atuação como de texto. Nunca imaginei que ele topasse colaborar. As piadas dele são maravilhosas. Temos uma equipa muito legal, uma das coisas mais felizes do programa é isso.

Como se pode fazer humor numa situação grave como a do Brasil?

Nessas horas o humor é muito importante, não que vá mudar a realidade mas porque vai fazer-nos olhar para ela de um jeito um pouco mais suportável e entendê-la, pelo menos. Isto aqui está cheio de certezas e o legal do humor é que provoca um pouco de dúvida, confunde essas certezas.

A situação no Brasil pode mudar a qualquer momento?

Totalmente, vivemos num país com uma instabilidade enorme para a população, em nome de uma estabilidade dos mercados.

Saberia em quem votar hoje?

Sim: no Ricardo Araújo Pereira, exigia a naturalização dele. Dos candidatos apresentados não há um que valha.

As pessoas deixaram de acreditar na política?

É o maior descrédito. Com o meu programa Greg News, quero levar as pessoas a interessar-se pela política. Porque é muito perigoso quando deixam de se interessar e delegam a política nos políticos. Mas ainda pior é quando se entrega a política aos não-políticos, que em geral são piores.

Está a falar dos Estados Unidos?

Exatamente, é isso. O Brasil está dando um acolhimento, muito parecido com o dos Estados Unidos, a figuras empresariais, na onda do negócio da delação. É uma falácia, isso dos não-políticos e inclui pastores evangélicos, militares. O discurso está construído: "nenhum político presta". É nojento.

A violência sente-se no dia-a-dia?

A violência atinge toda a população embora seja, como tudo na vida, determinada por classe social. A experiência que tenho é menor do que na favela. Ainda assim, vivo a violência no quotidiano, condiciona-nos. Tinha uma escola ao lado da favela e sentia essa violência, mas era um problema muito menor do que morar dentro da favela.

Quando vem a Portugal sente essa diferença de ambiente?

A diferença maior em Portugal é poder sair de madrugada, andar pela cidade, com o telemóvel, com tudo, e não ter medo. Isso é muito bom. A rua é muito democratizada, todo o mundo sai à noite, é um espaço público. Ainda gosto mais de aí estar por causa disso.

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