O fotógrafo belga com sotaque angolano que passou por aqui
Não é assim tão raro cruzarmo--nos com a assinatura do belga Joost De Raeymaeker em fotografias. Anos 1990: B.leza, casa da morna, do funaná e do kizomba em Lisboa. Muitas das fotografias são dele. 2015, 18 de dezembro, Hospital-Prisão de São Paulo, Luanda: saída para prisão domiciliária dos 15 ativistas detidos em junho, entre eles Luaty Beirão. São dele as primeiras fotografias que se conhecem.
A ligação é má - "Unitel...", diz ele - e, de quando em quando, escuta-se a voz da filha "Papá!" lá atrás. Joost está ao telefone de Luanda, interrompeu o trabalho que tem em mãos: o grafismo da candidatura a património da UNESCO de M"Banza Congo - que tanto fotografou e de que diz: "É bem giro, com aquelas colinas..." -, outrora capital do reino do Congo (hoje Angola e República Democrática do Congo).
Quase apetece atirar-lhe uma chusma de questões seguidas: porque vem um belga formado em Música fazer Erasmus em História para o Porto? Como é que esse belga, uns anos depois, se torna fotojornalista e autor do primeiro guia de Angola em português? Já se sabe, a vida acontece. E ele, naquele tom quase trauteado, que não esconde os anos em Angola, recorda a sua.
"Aterrei na Faculdade de Letras do Porto em 1992-93. Tinha 24 anos. Depois tentei voltar para a Bélgica, mas não me senti muito bem, foi o ano de 1993-94, vivia em Antuérpia e nas eleições a extrema-direita ganhou com trinta e tal por cento dos votos. Só me lembro de andar na rua e pensar: um, dois... esse votou." Então voltou. Deixou o que tinha no sótão da irmã e pôs a mochila às costas.
Depois de anos a trabalhar cerca de 16 horas por dia em informática, quando parte do Porto para Lisboa começa a fotografar e monta um laboratório de impressões a preto e branco para ganhar dinheiro. Em criança, 12 anos, o tio deu-lhe "uma pequena Kodak", na profissão de fé. Talvez tenha começado aí.
Em 2007 começa a visitar Angola, país da que viria a ser a sua mulher. Das viagens que fez por aquela terra de autocarro, à pendura em motos, de candongueiro (carrinhas) ou em caixas de carga de camiões, nasceu, em 2012, o primeiro guia de Angola em português, À Descoberta de Angola (Oficina do Livro).
Há qualquer coisa diferente nas fotografias dessas viagens de norte a sul. Uma quase familiaridade nos retratos. São tão empáticos como os rostos que encontramos à saída da porta de casa. Nem mais nem menos. Ele mesmo o assume: é "gente comum" que procura. "Geralmente quando os jornalistas vêm cá, tanto as histórias como as imagens saem sempre iguais, é sempre o mesmo ângulo. As criancinhas todas juntas, a saltarem para a máquina. Não é isso que me interessa nem é o que quero mostrar. Isso é mais eternizar estereótipos", explica no seu tom calmo.