O cineasta que deu luz ao menino Courgette
A Minha Vida de Courgette é o grande destaque desta Monstra, com sessão esta noite no São Jorge, apresentada pelo realizador Claude Barras, que chega aos cinemas em maio
Claude Barras está no Grand Hôtel de L"Opéra orgulhoso da vida. Em janeiro, quando o DN se encontra com o realizador, a nomeação ao Óscar ainda está fresquinha e os sorrisos são muitos. O realizador suíço sabe que é um dos cineastas do momento: A Minha Vida de Courgette é a animação que ficou na moda gostar. A história de um menino órfão que vai parar a um orfanato muito especial e onde descobre novos amigos, um rival e possivelmente uma namorada. Um conto de infância magoada com um charme à Tim Burton e personagens inesquecíveis. Courgette, Camille e Simon estão precisamente ao seu lado na entrevista, bonecos feitos à mão que foram modelos para as filmagens (o filme é uma animação em stop-motion com bonecos criados pelo próprio Barras). E é curioso ver como ele maneja os bonecos atores com um cuidado extremo ("eles são muito delicados e frágeis. E cada um deles custa um dinheirão!", diz). São autênticas criações de arte com pormenores deliciosos e uma textura que refine a própria noção de plasticina, podendo qualquer parte do corpo mexer.
Mas, afinal, porque é que todos estão a fazer vénias ao filme que em maio do ano passado foi um dos sucessos da Quinzena dos Realizadores? O próprio animador tem uma teoria: "há aqui uma forma de sinceridade na sua receita. Creio que se trata de um filme muito singular. Apesar de ser uma animação, tem uma base realista muito rara. Queria sobretudo apelar a um público adulto mas depois percebi que aqui na Europa era impossível financiar um filme em stop-motion unicamente pensado para os adultos. Esta técnica é muito dispendiosa. Depois, lembrei-me que quando era criança fiquei muito tocado por Sans Famille/Sem Família, de Marc Allégret, que falava também de um órfão, e aí concluí que era boa ideia contar esta história também para as crianças. A partir daí, eu e a Céline Sciamma, a argumentista, tentámos voltar ao argumento, abrindo-o para as crianças sem o fechar para os adultos. No livro que inspira este filme há mais detalhes sobre os maus-tratos infantis. Nós quisemos ser um pouco mais subtis".
A propósito de Courgette, o herói da história, menino de cabelo azul e nariz laranja, podemos pensar que se trata da clássica personagem do desfavorecido que mais tarde se reinventa. Neste caso, uma reinvenção operada através de uma paixão por uma menina, a órfã Camille. Sim, aqui as crianças apaixonam-se a sério. Não é por acaso que a argumentista deste projeto seja a cineasta feminista Céline Sciamma, que tinha realizado Bando de Raparigas há um par de anos. "A Céline trouxe um lado mais cinematográfico à história. Devo dizer que eu e uma pequena equipa estivemos a desenvolver este projeto ao longo de seis anos em Lausana. Enquanto fazíamos algumas curtas, estávamos já a estudar o design deste filme. Há quatro anos atrás, pensei que já tinha o argumento ideal mas o meu produtor achou que não e falou-me dela. Fiquei encantado pois era fã do seu trabalho. Ela tornou todas as minhas ideias bem mais simples e mais claras, foi impressionante", conta enquanto volta a ajeitar os braços de Courgette.
O sucesso do filme em festivais não espanta quem mergulha de alma e coração neste mundo. A sua derrota na última cerimónia dos Óscares traz algum sentimento de injustiça. O Zootropolis da Disney era digno mas não tinha a magia deste. Esta "pequena" coprodução entre a França e a Suíça não tinha também o lobby para contrariar um grande filme de Hollywood: "A nomeação deu-nos grande prazer e satisfação mas não foi assim tão surpreendente. Fizemos muitas projeções em Los Angeles, para falar mais concretamente foram 25 visionamentos para os membros da Academia. Além disso, tínhamos um distribuidor americano que apostou realmente nos Óscares! Posso também referir que a versão falada em inglês ficou muito boa e inclui a participação vocal de Ellen Page. Fiquei muito feliz..." O pequeno milagre da empatia desta animação por vezes torna-se mesmo difícil de explicar, nomeadamente quando se trata de uma história que incorpora temas como as novas famílias, o bullying e os maus-tratos familiares. A Minha Vida de Courgette não tem também qualquer elemento de fantasia nem o estigma do conto de fadas.
Claude Barras, que vem da ilustração e do grafismo informático, sublinha que A Minha Vida de Courgette é um filme de família: "E é também um filme para ser visto em família! Tenho visto muitos avós a levarem os netos a este filme! Só não gosto de dizer que é apenas um filme sobre órfãos, é antes sobre como a solidariedade e a amizade nos ajudam na nossa vida." Quando lhe perguntamos se assume a influência Tim Burton, os olhos arregalam-se: "Claro que assumo isso. Têm-me dito que o filme é uma espécie de Burton com muitas cores! Para mim, isso é um elogio." E, já agora, este filme poderia ser feito em imagem real? "Poderia, por acaso, poderia. Tem um argumento que daria um bom filme em imagem real mas não seria tão bom", diz com um sorriso discreto. Suspeitamos que Burton também está apaixonado por Zuchinni, o nome em inglês da personagem.
a minha vida de courgette
Monstra - quarta feira, Cinema São Jorge, 20.00/ Cinema City Alvalade, quinta-feira 22.00
Estreia nos cinemas em maio