O banco circular que levou Portugal a admirar Siza Vieira
Foi um projeto que se instalou em Vila do Conde, em 1986, e gerou a surpresa. Nem todos entenderam a forma do edifício da agência do então Banco Borges & Irmão, hoje BPI, nem a integração na paisagem local do centro histórico da cidade. Mas a obra idealizada por Siza Vieira, em 1981, é hoje um marco na arquitetura portuguesa e na carreira do próprio arquiteto portuense. Foi em 1988 o único projeto português a ser galardoado com o prémio Mies van der Rohe, instituído pela Comissão Europeia, cujo vencedor de 2017 será hoje anunciado, e possibilitou o tardio reconhecimento nacional do arquiteto que viria a receber o Prémio Pritzker.
Localizado na zona antiga de Vila do Conde, em frente ao mercado municipal, o edifício do Banco Borges & Irmão distingue-se pela parede branca circular com grandes áreas envidraçadas, que permitiam a Siza jogar com o equilíbrio entre luz e sombra. Apesar da estrutura moderna do prédio de três andares, o volume adequa-se ao edificado já existente, uma boa parte desde o século XIX, tendo agora também ao seu lado um edifício do século XXI. Contudo, a obra não foi consensual. "Na altura foi um prédio bastante contestado pela forma e na integração urbana", recorda ao DN o arquiteto Miguel Guedes de Carvalho, um dos assistentes do projeto que teve os primeiros esboços ainda na década de 1970 e foi concluído em 1981, cinco anos depois de a obra ser concluída. Maria Manuel Sambede, Nuno Ribeiro Lopes e Luiza Penha também assistiram Siza, embora, diz Miguel Guedes de Carvalho, na fase de obra foi José Luís Carvalho Gomes quem acompanhou Siza. Já a anterior filial do Borges & Irmão tinha mão de Siza, que anos antes tinha trabalhado para o Banco Pinto & Sottomayor, tendo a agência de Oliveira de Azeméis (1974) semelhanças com esta de Vila do Conde.
Mário Almeida, naquele período presidente da Câmara Municipal de Vila do Conde, lembra que "quando o edifício apareceu, houve muita estupefação". O autarca conta que o navio Tolan havia afundado no Tejo anos antes (1980) e a forma circular da parede do banco levou a muitas piadas. "As pessoas diziam que tinham trazido o Tolan para Vila do Conde." Miguel Guedes de Carvalho considera que a forma foi o mais difícil de aceitar pelas pessoas. "Aquela forma arredondada, um convite às pessoas para entrar, era inovadora e provocadora."
À surpresa inicial, seguiu-se a romaria. De estrangeiros, sobretudo, quando em 1988 o prémio Mies van der Rohe é atribuído pela primeira vez e distingue este projeto. "Começaram a chegar autocarros com pessoas só para visitar a agência bancária. Hoje já não é tão falado mas foi muitas vezes capa de revista e um edifício de referência na arquitetura, o que ainda é", diz o ex-presidente da autarquia de Vila do Conde, cidade onde Siza Vieira já tinha iniciado uma obra (Edifício Vila Cova, hoje o do Restaurante Praiamar, em Caxinas) que não foi depois concluída como pretendia. Mais tarde, já com os programas Polis em execução, Siza voltou a Vila do Conde para projetar a marginal, com Alcino Soutinho, e o Parque Urbano João Paulo II.
Com a distinção europeia chegou a fama. "Em Portugal", diz Miguel Guedes de Carvalho. "Lá fora o Siza já era muito conhecido. Em Portugal, a arquitetura era quase ostracizada, apesar de Siza ter já nessa altura uma série de projetos importantes, como a Casa de Chá da Boa Nova (1963), as Piscinas das Marés de Leça da Palmeira (1966) ou a Casa Manuel Magalhães, no Porto (1970). Graças a Siza, a arquitetura portuguesa despertava interesse no estrangeiro mas cá não era reconhecida. Os autocarros já vinham cá, nos anos 1970, com finlandeses ou franceses. Os projetos dele eram admirados."
Como Prémio Mies van der Rohe, Portugal rende-se ao talento e à obra do arquiteto. "Foi o passo para ele se afirmar cá. A reconstrução do Chiado, logo depois, foi a consagração. Os arquitetos portugueses e a Faculdade do Porto também se valorizaram", sustenta Miguel Guedes de Carvalho.
Em Vila do Conde, o processo foi algo semelhante. "As pessoas agora admiram-no. Já havia projeto para a Praça José Régio e Siza Vieira fez o acesso lateral ao banco tendo já em conta a nova praça que iria surgir atrás", diz Mário Almeida.
Em frente, no Café Saura, o antigo futebolista Luís Saura recorda a "coisa diferente". Era "um prédio branco cheio de vidros, via-se tudo para dentro. Era também falado por ser do Siza e vinham muitas excursões para vê-lo", contou ao DN.
Do outro lado da Avenida 25 de Abril, nos Estúdios Fonseca, um edifício de 1818, Paulo Vinhas, fotógrafo, não gosta do edifício a que chama de "marasmo", mas ainda abre as portas a "chineses e japoneses" que pedem para ir ao segundo andar para tirarem fotografias.