Morrer a rir com o Humor Maligno da Companhia Maior

Pedro Penim, do Teatro Praga, criou com a Companhia Maior uma comédia policial que é tudo menos politicamente correta.
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Há uma Jessica Marple, que é assim uma espécie de mistura de Jessica Fletcher, de Crime, Disse Ela, com a Miss Marple de Agatha Christie. Há piadas de alentejanos e outras piadas ("blague, em francês, para ser mais chique") politicamente incorretas. Há um corpo. Há sangue. Há uma criada. Há Anne Guedes, a fotógrafa de bebés fofinhos. Há álcool, cogumelos e outras substâncias. Há muita música e muitas referências, é preciso estar atento para ir apanhando todos os piscares de olho - ou não fosse este um espetáculo criado por Pedro Penim, o autor e encenador do Teatro Praga. Humor Maligno é uma peça policial cómica e é a nova produção da Companhia Maior.

O grupo, criado em 2010 por iniciativa do Centro Cultural de Belém, tem como particularidade o facto de só ter elementos com mais de 60 anos. Todos os anos, um encenador é convidado a trabalhar com eles ao longo de várias vezes, orientando workshops e criando um novo espetáculo. Penim, de 42 anos, gostou do desafio. E a primeira coisa que fez foi ouvir os seus atores e perceber o que eles queriam e não queriam fazer: "E o engraçado é que eles me disseram algo que eu já intuía e que ia ao encontro daquilo que me apetecia fazer. Há uma tendência para usar estes atores, devido à sua idade, como uma espécie de património da memória, da doçura, da passagem do tempo. E eles já estão fartos de contar as suas histórias e de servirem para esse escape de nos querermos ou emocionar ou saber aquilo que não vivemos. Então, decidimos fazer algo completamente diferente."

O que é que seria o oposto desse trabalho sobre a biografia e a memória? O humor negro, sugeriu Penim, e começou, em colaboração com o humorista Hugo van der Ding, a pesquisar para perceber como é que poderia ser usado, o que é um humor ofensivo, testar os limites do humor, pisar o risco, o que é que isso provoca no público, quais são os temas mais polémicos: a religião, o sexo, as doenças, as minorias. "Da ideia de que essa graça ofensiva é um crime, até judicialmente poder ser tratada como tal, passámos para a ideia de que se comete um crime em palco. Isso transforma a peça num policial. Se há um crime, é preciso encontrar o culpado." E é assim que o espetáculo se estrutura como um policial: um grupo de amigos juntos numa festa, o tradicional huis clos, um mistério para solucionar.

Nunca é tarde para ser ator

Com figurinos de Joana Barrios, cenário de Bárbara Falcão Fernandes e luz de Daniel Worm, no palco vão estar 20 atores. Mário Figueiredo, quase 70 anos e uma longa carreira no teatro e na televisão, é uma das caras novas na Companhia Maior. Acompanhava os espetáculos da companhia com interesse, como espectador e também porque tem ali amigos e antigos colegas da RDP. Mas só depois de, há dois anos, ter interpretado o papel de Hitler numa das Conversas Imaginárias que Hélder Costa costuma apresentar na Barraca, e de ter ouvido inúmeros elogios, é que considerou a hipótese de se juntar ao grupo. "Vim fazer um workshop e fiquei aprovado", conta, elogiando a ideia de pôr atores mais velhos a serem encenados "por gente nova".

"Entrei no momento certo", diz, referindo-se ao espetáculo Humor Maligno. Se fosse um espetáculo mais abstrato ou mais físico, talvez não o conseguisse fazer. Ainda que, admite, a primeira vez que leu o texto ficou um bocadinho em choque com "aquele vernáculo todo". "Depois, com os ensaios, fui percebendo que aquilo faz sentido. É muito divertido." Tem sido um desafio grande interpretar o "doutor Ricardo Du Pardon", "um playboy meio apatetado, que diz assim umas banalidades". Mas também diz umas coisas acertadas. Por exemplo, em relação ao humor baseado nas notícias do dia: "Não funciona. Porque a atualidade é uma cilada. Não é como o vinho do Porto. Não melhora com a idade."

O encenador apercebeu-se da dificuldade que os atores tiveram com o texto. Mas está contente porque, no final, tudo acabou por se resolver: "O humor deve ser provocador, uma lente de aumentar da realidade, por isso leva a realidade ao extremo, quase como uma catarse - é um movimento inevitável, haverá sempre alguém que no dia a seguir a uma tragédia vai fazer uma piada e pisar o risco. E para fazer este espetáculo era necessário pisar o risco. E os riscos vão sendo pisados por várias personagens diferentes, com várias temáticas e em vários formatos diferentes", explica. No espetáculo, cita-se André Breton e Louis C.K., Miley Cyrus, South Park, políticos nacionais e estrangeiros, filmes, desenhos animados, telenovelas brasileiras e tudo o mais que lhes apetecer citar nesse dia. É que, apesar do que diz o "doutor", há sempre espaço para a atualidade em Humor Maligno.

Humor Maligno

Centro Cultural de Belém, Lisboa

Até 21 deste mês

Bilhetes de 15 a 18 euros

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