Luis Lobianco: "O público chora e ri com Gisberta"
Ator brasileiro conhecido do grande público pela participação no grupo Porta dos Fundos está em cartaz no Rio com Gisberta, história sobre a transexual brasileira morta no Porto, em 2006. Para o ano chega a Portugal
Como e quanto surgiu a ideia de fazer uma peça sobre a transexual Gisberta?
Eu estava há já algum tempo à procura de fazer um trabalho meu mas não encontrava a história certa ou quando a encontrava os direitos já tinham sido comprados. Até que, de férias em Teresópolis, aqui perto do Rio de Janeiro, fazendo o que mais gosto, ou seja, cozinhar, ler, ouvir música, escutei na minha playlist a Balada de Gisberta, do Pedro Abrunhosa, na voz da Maria Bethânia. Deu--me logo vontade de ir ao Google tentar saber mais. Por coincidência, o caso fazia naquele 22 de fevereiro de 2016 exatos 10 anos e havia muitos artigos de jornal a falar no assunto porque ela se tornou um ícone da luta LGBT, no país enquanto no Brasil se desconhecia a história por completo.
O momento social do Brasil, em que as posições mais conservadoras da sociedade vêm ganhando peso no Congresso Nacional, por exemplo, motivou-o inconscientemente na escolha do tema?
Eu acho que sim, este é um debate urgente. O Brasil é o país que mais mata por transfobia [são 42% dos casos a nível mundial], é terrível, temos de discutir este assunto nem que seja na marra. Em paralelo, você sabia que "transexual"é das palavras mais procuradas em sites eróticos e pornográficos? Esta relação de repulsa e atração é muito reveladora. Por outro lado, eu tenho um espaço meu, que é o Buraca Lacraia, na Lapa, região muito boémia e democrática do Rio de Janeiro, que é uma espécie de inferninho, como dizemos aqui, chamem-lhe cabaré, boîte, como preferirem, muito frequentada pelo público LGBT, por travestis, por gays, então eu venho trabalhando com esse público diretamente e fiquei muito íntimo desse ambiente.
Na peça - um monólogo - a Gisberta não é personagem e sim as pessoas que se relacionaram com ela. Porquê essa opção?
Com 35 anos, começo a conhecer-me melhor. E sinto-me um criador, um contador de histórias. Então a peça não conta a história da Gisberta vítima de assassinato brutal, porque essa verdade foi assassinada com ela. Conta através de personagens, pessoas reais da família, que eu conheci, personagens entre o fictício e o real, como um mestre-de-cerimónias de um cabaré, conta também através de um poema de Fernando Pessoa...
Uma vez que o caso aconteceu em Portugal, quando levar a peça a Lisboa e ao Porto conta fazer adaptações pontuais ao texto?
Penso que não porque nós pensámos muito nisso quando levámos o espetáculo Portátil a Portugal e, afinal, acabámos por manter os termos e as situações do Brasil porque descobrimos que o público gostava mais dessas diferenças, acho que isso engrandece os dois países, que são tão próximos. No entanto, cada caso é um caso e pode acontecer de entendermos que na Gisberta é preferível uma adaptação aqui ou ali - a propósito, eu interpreto duas personagens portuguesas, fiz um esforço enorme para conseguir o sotaque certo mas há nuances tão delicadas que talvez o meu ouvido não acompanhe.
O público - ou pelo menos o grande público - tem a tendência a vê-lo como um ator de comédia . Esses rótulos prejudicam?
Eu sou ator de teatro há 23 anos, o projeto Porta dos Fundos tem cinco. Sim, o Porta mudou muita coisa na minha vida, passei a ter uma exposição que nunca tive, fiz cinema, televisão, mas não deixo de ser um ator de teatro, antes de tudo. Agora, detesto rótulos, não quero ficar rotulado só como comediante nem só como ator dramático.
Causa ruído no público de Gisberta esse facto? Ou seja, as pessoas que desconheçam a história vão à espera de rir ou riem só de o ver em cena?
O público já lá vai sabendo que é outra temperatura, já vai à espera de uma tragédia, e no fim tem sido até muito bom ouvir as pessoas dizerem-me que foi uma surpresa eu tê-las feito chorar. Mas o melhor é que o público ri também porque o início da peça tenta mostrar que a Gisberta é uma pessoa igual às outras, uma criança igual à outras, porque todo o mundo, no fundo, é igual.
Gisberta é a sua maior realização pessoal?
Eu já tive momentos incríveis, como o tal projeto Buraco da Lacraia, que eu criei e de que me orgulho muito, como a série O Grande González, na Fox, onde vivia um protagonista, o que era uma grande responsabilidade, mas a Gisberta sim, posso dizer que sempre sonhei com uma peça assim. Mais: o espetáculo aqui no Rio é no CCBB [Centro Cultural Banco do Brasil] e a minha mãe foi funcionária do Banco do Brasil toda a vida, ganhava bilhetes de graça e eu e ela passámos a minha adolescência aqui na plateia. Ela disse-me que, mesmo sabendo do meu talento noutros meios, nunca sonhou ver-me exatamente ali, naquele palco, fazendo um espetáculo meu, um monólogo, sempre esgotado... E opinião de mãe conta...
O que acha do público português?
A primeira vez que fui a Portugal em trabalho foi muito impactante, não sabia que era tão conhecido. Depois o público é muito atento, muito mais do que o brasileiro. E muito carinhoso, com aplausos longuíssimos e quentes. No fim das peças, no Brasil toda a gente pede selfies, em Portugal não, toda a gente tem uma história para contar e eu oiço-a sempre com muito carinho porque é uma partilha. Sinto que tenho uma relação muito sólida com Portugal, sinto-me em casa lá, já sei onde se bebe o melhor café, coisas do tipo, penso que levar lá a Gisberta é uma decisão muito acertada.