José Pacheco Pereira cria a sua "Regra e Excepção"
Depois do projeto Ephemera, que na Livraria Ler Devagar, em Lisboa, está a construir um arquivo da história recente de Portugal, José Pacheco Pereira mostra outra faceta de entre as múltiplas que já lhe conhecemos: a de galerista. O desafio foi-lhe lançado por Ana Matos, da Galeria Salgadeiras, e, apesar de "inesperado", foi aceite. O resultado deste mergulho no acervo da galeria é Regra e Excepção, que reúne trabalhos de Cláudio Garrudo, Guilherme Parente, Paula Almozara, Teresa Gonçalves Lobo e Tiago Casanova.
A seleção das peças "não foi difícil", diz Pacheco Pereira. E garante: "Julguei pelas obras e não pelos nomes, mesmo no caso do Guilherme Parente", único artista que já conhecia entre os cinco presentes na mostra. A primeira obra escolhida foi Caminho (2017), de Paula Almozara, um conjunto de polaroids que Pacheco Pereira viu exposta na galeria e que, revela, "foi a obra que, de alguma forma, condicionou o olhar pela exposição". Um olhar estruturado "a partir de uma certa ideia de obras monocromáticas, a maioria das apresentadas, e que, portanto, funcionam como a regra, terminando numa obra de Guilherme Parente [Tempestade Branca], a única que tem cor", refere.
Explicada que está a regra e a exceção do título da exposição, Pacheco Pereira salienta ainda que "a ideia de uma certa pobreza e severidade valorizadas pelo preto e branco", associada a "uma certa ideia ascética do processo artístico", norteou a seleção. Isto ao mesmo tempo que recorre a "obras abstratas ou muito próximas da abstração".
E não se estranhe que, em seguida, acrescente: "Este é sempre um discurso histórico na crítica de arte sobre os momentos de crise nos quais a abstração é uma forma de sair do domínio do mundo que estava a correr mal." Não se adianta mais, dizendo não querer entrar em "grandes elucubrações", algo a que estaria amplamente habilitado, até pela tal faceta pouco conhecida que revela logo no início da conversa com o DN: "Fiz crítica de arte no Jornal de Notícias durante vários anos, fiz vários catálogos de exposições, quer em Lisboa quer no Porto, fiz o primeiro catálogo do [Eduardo] Batarda, por exemplo, escrevi sobre o Ângelo de Sousa."
Sendo do Porto, explica, "apanhei o período do início dos Quatro Vintes [grupo de ex-alunos da Escola de Belas Artes do Porto que terminou o curso com vinte valores, formado por Jorge Pinheiro, Armando Alves, Ângelo de Sousa e José Rodrigues] e havia uma tertúlia à volta do Eugénio de Andrade, no Café São Lázaro. Foi um convívio muito próximo durante uma série de anos". Um texto "um pouco mais politizado sobre as condições de escrita da crítica de arte" valeu-lhe um corte da censura. "Resolvi nunca mais escrever sobre arte."
Nada que o impedisse de aceitar o convite "inesperado " de Ana Matos para ser "galerista por um dia", iniciativa iniciada em 2008 com o objetivo de desafiar "pessoas de fora da galeria, e que não conhecem as obras dos nossos artistas, a olharem para o nosso acervo e construírem um novo discurso".
O convite a Pacheco Pereira surge da conjugação de dois fatores: "Por um lado, uma pessoa habituada a trabalhar com arquivos e, por outro, interessava-me o seu lado político e saber que essa leitura, ainda que não esteja explícita, ia estar subjacente pelas provocações que potencialmente podiam surgir pela escolha de Pacheco Pereira", diz Ana Matos. Uma expectativa que se confirmou: "Acho que a escolha e o título da exposição têm um lado provocador." Para conferir, até 1 de julho, nas Salgadeiras.
Informação útil
Regra e Excepção
Cláudia Garrudo, Guilherme Parente, Paula Almozara, Teresa Gonçalves Lobo e Tiago Casanova
Galeria das Salgadeiras, Rua da Atalaia, 12 a 16, Lisboa.
Até 1 de julho. De terça a sábado das 15.00 às 21.00