Um filme noir rodado na "cidade-Távora"
Cigarros, chapéus, gabardines, automóveis vintage. Estes são alguns dos acenos visuais com que Rodrigo Areias nos convida a revisitar, depois do western Estrada de Palha, o cinema noir em Ornamento & Crime. Neste filme rodado na cidade de Guimarães, passa-se das pistolas à arquitetura com a desenvoltura do género. O mestre-de-obras, Rodrigo Areias, conversou com o DN.
O que é que surgiu primeiro, a estética noir ou uma ideia de argumento?
A estética vem sempre primeiro, no sentido em que o meu cinema não é propriamente narrativo. O meu processo consiste em pensar o filme plasticamente, e depois definir com que meio e com que décors é que se filma, que caras é que metemos nesse espaço. Só no fim é que vem o que eles dizem uns aos outros... se efetivamente tiverem alguma coisa para dizer uns aos outros.
E como se faz a correspondência com o arquiteto Fernando Távora, que vem citado no início?
O filme partiu do desejo de fazer uma homenagem a Fernando Távora. Sendo Guimarães, de alguma forma, a "cidade-Távora", interessava-me pegar em todos os aspetos da sua arquitetura e mostrá-los da maneira menos óbvia, que não fosse o bilhete-postal da cidade.
Temos um detetive, com pinta de Humphrey Bogart, que nos guia por essa cidade...
Sim, o Vítor Correia é o nosso Bogart!
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Entre as femme fatales, que não podiam estar ausentes deste universo estético, há uma atriz brasileira, Djin Sganzerla. Porquê esta opção de casting?
Na verdade, a princípio não optei por uma atriz brasileira. Acabei por escolher a Djin porque tinha visto filmes com ela que me sugeriam a adequação ao papel. Mas não a procurei pela nacionalidade. No fundo, trazendo uma série de clichés do género para a linguagem do filme - e, nessa medida, absorvo conscientemente os clichés - eu senti que as minhas decisões podiam ser mais livres, ou seja, que não tinha necessidade de as explicar. É um conjunto de princípios: eu queria que houvesse um detetive, uma loira [a Djin], uma morena, um crime e, naturalmente, arquitetura. Foi a partir daí que começámos a criar relações, umas mais intuitivas do que outras.
Havendo a referência temporal plástica que é específica deste género cinematográfico, ainda assim Ornamento e Crime alcança uma certa abstração...
Essa ideia é altamente elogiosa, porque era o meu objetivo inicial. Eu não queria fazer um filme de época. No fim, não fiquei tão convencido de ter conseguido chegar onde queria, até porque fico sempre preso esteticamente a pormenores que me agradam mais. Por exemplo, nos meus filmes não entram carros atuais. E depois há qualquer coisa que tem que ver com a indumentária e a forma de estar, que é a forma ética, estética e poética de um outro tempo com o qual me identifico. Portanto, queria que fosse mais abstrato do que na verdade me parece ser.
E aqui temos mais uma colaboração com The Lengendary Tigerman e Rita Redshoes na banda sonora, a sublinhar também a linha noir...
É uma colaboração antiga. Eu e o Paulo Furtado trabalhamos juntos há vários anos, e somos amigos há 20. Na altura do Estrada de Palha [2012], em que já contávamos igualmente com a Rita na banda sonora, a coisa correu muito bem, e por isso decidimos manter.
Entre realizar e produzir, qual é o seu apelo maior?
O meu sonho é só realizar, ainda que não possa deixar de produzir os meus filmes e os dos meus amigos. E a verdade é que os meus filmes também têm este grau de liberdade porque não deixam de ser uma forma de escapar àquilo que é a prisão diária do trabalho como produtor. Digamos que, no meio de tantas produções, o mais perto que tenho de férias são os projetos pessoais, sempre envolvendo amigos.