Para Norberto Lobo a guitarra ainda é como um game boy
Não lhe fazemos favor nenhum se dissermos que Norberto Lobo é um dos grandes guitarristas portugueses. Já lá vão quase dez anos desde o seu primeiro álbum a solo, Mudar de Bina, e ao sexto Lobo parece mais depurado do que nunca. Este chama-se Muxama, como a iguaria algarvia, espécie de presunto do mar, feita de atum seco e salgado. Sem raízes do Algarve, o músico diz que esse é um prato que come "em família de vez em quando, portanto talvez associe a isso". "E gosto do som da palavra", acrescenta.
Estamos no Jardim da Estrela, em Lisboa. Norberto está à civil. Sem guitarra, portanto. Quem passa pode não fazer ideia, por isso, do som que ele produz quando curvado, agarrado à guitarra, um pedal aqui e ali, a tocar quase sem levantar a cabeça. Será assim hoje no Teatro Maria Matos às 22.00, no primeiro de oito concertos em que Norberto leva Muxama às salas.
Um disco nasce quando começa a aparecer "um conjunto de músicas que apontem na mesma direção". Às vezes, haveria de dizer depois, trata-se de um som. "Começo a perceber que aquilo é um bocadinho da mesma manta de retalhos, tipo peças do puzzle. 'Ah, isto é o cantinho, isto é o meio, estas são as duas azuis, deve ser a orelha.'" Assim nasceu Muxama, que, se tem uma narrativa, ela "é mais musical do que outra coisa qualquer".
Neste disco que fecha com uma música homónima, em que lá mesmo no "finzinho" damos conta do arco a passar pelas cordas da guitarra, há uma outra que se chama Legionella. "Foi feita num dia em que eu li essa notícia, nas primeiras vezes em que se começou a falar da legionella. Depois tornou-se num título de trabalho, um bocado mnemónico, para eu me lembrar que era aquela malha e ficou. Gosto do som da palavra, também. Há palavras bonitas que querem dizer coisas muito feias, já estive a falar disso com um amigo", comenta. Há outra chamada Oma, palavra que quer dizer "avó" em alemão, e que Norberto fez a pensar na sua avó, como motivo da canção a quem é dedicada. Nada de estranho, se nos lembrarmos de Balada para Lhasa, dedicado à música Lhasa de Sela em Fala Mansa (2011) ou Ayrton Senna em Pata Lenta (2009), para o piloto de Fórmula 1.
Norberto, nascido em Lisboa em 1982, tantas vezes comparado a Carlos Paredes ou a John Fahey, diz que nem sempre consegue arrancar o som que quer da guitarra. Acontece, conta, "ter um som na cabeça e andar à procura dele, às vezes demora anos". Para isso também servem os pedais que usa, pois um pedal, como diz "abre mais uma janela na casa", e acontece-lhe precisar de alguns que só muito mais tarde são inventados. Quando encontra o som que procura? "Aborreço-me e passo para outra coisa", responde.
Tinha uns "sete, oito anos" quando começou a tocar. Nada de sério, "era mais uma cena que havia para lá", para casa, e que os irmãos - entre eles Manuel Mesquita, com quem tocou nos Norman e compositor de Slowz, deste álbum - tocavam. "Era como o game boy", afirma. Hoje ainda é assim. A guitarra "ainda é como um game boy, ainda é uma brincadeira, ainda é um jogo. Normalmente o problema é ter de parar de tocar, é ter outras coisas na vida para fazer."
Hoje haverá Muxama no Maria Matos. Reconheceremos as músicas de que é feito, certos de antemão que Lobo nunca as toca da mesma forma. Porque aquilo que está na gravação "é só aquele dia: não é um vídeo, é uma fotografia." Fotografia, acrescente-se, de mais um dia com o seu game boy.