"O melhor que me aconteceu foi o meu pai obrigar-me a ouvir semba"
Com quatro álbuns no currículo, serão sobretudo os temas do último, "O Intérprete", de 2015, que cantará. "Gago", "De Alma na Paixão" e "Sagacidade no Amor" são alguns dos 17 temas desse trabalho. É um ciclo que se fecha, explica em entrevista ao DN, no estúdio onde ensaia na capital. E um outro novo que começa.
Há dois anos esgotou duas vezes o Coliseu. Hoje atua no Tivoli, que é uma sala mais pequena. Que tipo de espetáculo preparou?
Há um ciclo que se fecha, que é o do disco "O Intérprete", porque agora vamos lançar um novo projeto, Mr. Pulungunza (força em kimbundu), que é de uma música mais jovem. Quisemos fazer uma coisa mais intimista, numa sala nova e, por isso, apostámos no Tivoli.
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Esse projeto então não é de semba?
Não. Eu comecei a minha história na música ao contrário, pelo semba, que era considerado uma música dos mais velhos. Agora sinto necessidade de viver o meu lado mais miúdo que não vivi. E queria expressar isso musicalmente.
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E que tipo de música é que isso dá?
Estamos dentro da pop, world music, ghetto zouk e fusões de música africana que fazemos.
Quando lançam o álbum?
Em princípio em outubro.
Mas diz que semba é música de velhos quem não o viu ainda atuar...
Dizem isso porque, na altura, eram os mais velhos que mais ouviam. Mas depois começámos a criar outras vertentes dentro do semba e os mais jovens começaram a apreciar de outra forma. Queremos continuar a promover aquilo que é raiz e a tradição de Angola.
Há nomes novos que surgem na música em Angola. O que acha, por exemplo, do Filho do Zua?
Gosto do Filho do Zua. Tem uma boa vibe. Acredito que se trabalhar com as pessoas certas e não olharem para ele só como uma máquina de fazer dinheiro conseguirá um lugar muito bom.
No Tivoli terá como convidado o Paulo Flores, que é muito especial para si a nível musical e pessoal...
Sim. Somos compadres. O Paulo é padrinho do meu filho que é meu xará, ou seja, tem o mesmo nome do que eu: Álvaro Yuri Alberto da Cunha. Temos uma relação estreita, sou muito fã das músicas, das composições dele. Cruzámo-nos na vida através da música, sempre quis conhecê-lo, procurei por ele. A música juntou-nos. Hoje somos grandes amigos.
No B.Leza, no final de em maio, cantaram o tema "Kandengue Atrevido", que diz: "Está chovendo de malta que fala de semba e não sabe o que diz". A crítica serve para quem?
Há uns anos desprezava-se o semba e nós, como diz a música, somos do tempo do semba sem massa e sem glória. Não se olhava para o semba como se devia olhar. Depois toda a gente estava a tentar fazer semba e confundia-se o estarem todos a fazer o mesmo com o fazer bem. A música e letra é uma adaptação do [tema Moleque Atrevido] do [cantor e sambista] brasileiro Jorge Aragão, um amigo; a música foi um sucesso no Brasil e em Angola.
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O Yuri é também, por vezes, um crítico da moda da kizomba...
Kizomba significa festa. Como música, sei que chamamos rei da kizomba ao Eduardo Paim, porque ele impulsionou e juntou ritmos, como o balanço do semba e o zouk nalgumas vertentes, passando a chamar kizomba a essa coisa. E assim ficou. Não há mais a discutir. A kizomba, é verdade, tem muita coisa do zouk mas ele é diferente da kizomba. Há particularidades de cada um. Há que respeitá-las. O que se está a fazer agora é o ghetto zouk, que não é kizomba. Chamam-lhe kizomba por causa da dança. Aquela dança que mistura a ginga angolana mas com passos da música latina. Cabo Verde também contribuiu para o crescimento da kizomba e Portugal também.
Começou a ouvir semba porque o seu pai, que era guitarrista n'Os Kwanzas, o obrigava. Ou ouvia semba ou então não ouvia mais nada...
[risos] Quando somos miúdos ficamos irritados com coisas que nos impõem e não percebemos porquê. Na altura ficava chateado com aquilo mas agora percebo que o melhor que me aconteceu foi o meu pai obrigar-me a ouvir semba.
O Yuri tem sete filhos. Também é assim tão rígido com eles?
Não. Eu moldo os meus filhos conforme o meu pensamento. Mas eles têm o pensamento deles e vivem noutro tempo que não é o meu. Dou-lhes liberdade de pensarem e escolherem. Claro que os acompanho e vejo se é algo errado para eles ou não. Mas não os obrigo a nada. Ensino.
Sobre o mundo em que vivemos hoje: "Bunda de Plástico" e "Só fui lá pôr um Like", a primeira música sua, a segunda do Paulo Flores, são metáforas à volta da sociedade atual?
"Bunda de Plástico" é uma forma de criticar, mas na brincadeira, para as pessoas não levarem a mal. A base dessa música é kazukuta com kabetula. Foi assim que saiu a ideia. A música é música, é arte, é livre, mas se pudermos educar, de alguma forma, é importante. A intenção é o músico poder também ajudar a tornar o mundo um lugar melhor.
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Viveu muitos anos em Portugal. De que mais se lembra quando cá vem?
Portugal vive em mim. Tenho uma ligação muito grande a Angola, porque nasci lá, a Portugal, porque aqui aprendi muito, a Moçambique, porque é, como Portugal, a minha segunda casa. Em Portugal, nos anos 1990, acompanhava grupos e artistas da RD Congo, como Koffi Olomide, Papa Wemba, etc... Em Moçambique, eu acho, as pessoas têm a particularidade de abraçarem com verdade.
Diz que não gosta de se envolver em política. Mas há eleições dia 23 de agosto. Como cidadão irá votar certamente. O que gostaria que mudasse em Angola?
Deve mudar a forma de as pessoas pensarem que os outros é que têm que fazer as coisas por elas. O melhor para Angola, é olhar mais para o próximo, pensar: "não posso deixar que o meu irmão passe necessidades porque depois vai ser ele o tipo que me vai assaltar, matar, acusar". Queria olhar para uma Angola com mais igualdade e, acima de tudo, mais amor. Sei o que é a guerra e penso que nenhum angolano, apesar de descontente, quer confusão dentro de Angola.
PERFIL: YURI DA CUNHA
- Músico angolano com 24 anos de carreira e quatro álbuns gravados
- Natural do Kwanza-Sul
- Tem 36 anos
- Tem sete filhos
- Ainda criança, fugiu da guerra para Luanda, com a família. Pequeno, assistia aos ensaios d"Os Kwanzas, banda do pai, Henrique da Cunha "Riquito". Venceu um concurso de rua, Ku Tonoca, em 1993 e ganhou vários prémios. "Makumba" foi a música que o tornou conhecido. Tem quatro álbuns editados.