Hereditário - o mal está entre nós

O indie horror americano mostra as suas garras com Hereditário, que chega amanhã aos cinemas.
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Chegar do Festival Sundance com muito buzz positivo nem sempre é sinal recomendável. Ao longo dos anos têm sido muitos os filmes que são aclamados no festival de Park City, mas ao chegar ao mercado como que se lhes descobre a careca. Hereditário é um desses casos, filme de terror com sensibilidade de "autor", coisa estimável para uma certa imprensa sensacionalista sempre à procura de um novo "clássico instantâneo". De facto, o filme de estreia de Ari Aster (realizador vindo das curtas) não sobrevive ao vírus do hype, um conto de terror psicológico que se propõe refletir sobre o mal no seio da instituição familiar.

Toni Collette, mais chorona do que nunca, é uma artista que trabalha em miniaturas. A sua vida sofre um choque a partir da morte da mãe, uma senhora que sempre se pautou por uma sinistra existência.

A partir desse período de luto, estranhos fenómenos sobrenaturais começam a suceder na sua casa, culminando com a morte macabra da sua filha mais jovem, decapitada num horripilante acidente de viação. A partir daí, aos poucos, o espectador e a personagem vão percebendo que forças demoníacas teriam estado ligadas ao passado da mãe, pondo em causa a sanidade de todos os elementos da família. Tal como em O Exorcista, de William Friedkin, o tipo de terror aqui convocado tenta respeitar uma tradição de crenças macabras e de folclore satânico.

Ao contrário do que o eficaz trailer fazia crer, na verdade, Hereditário, grosso modo, é um filme de terror que tenta sair das fórmulas vigentes, mas que cai sempre nas ratoeiras do género: os previsíveis twists, a mensagem habitual que o mal está dentro de nós e a abundância dos efeitos sonoros e de imagem. Na essência, é igualzinho a tantos outros filmes de terror que funcionam nas bilheteiras (nos EUA abriu neste fim de semana com números espetaculares, batendo o recorde do seu estúdio, a A24) mas, claro, é mais lento, tem diálogos mais "pausados" e os atores não são rostos industriais - temos uma Toni Collette que faz pela vida, um Gabriel Byrne sempre sóbrio e esse menino-revelação Alex Wolff, descoberto em Patriot"s Day- Unidos por Boston, de Peter Berg.

Assustador o suficiente?

Se é suficientemente assustador e traumatizante? Só a espaços. O seu último terço, em vez de aterrorizar, é apenas ridículo e histérico, mesmo com um ou outro susto bem encenado. Além do mais, o seu suposto simbolismo de crónica do colapso de uma família americana (mais uma vez, o fim da instituição tradicional americana...) não redime um conceito rebuscado com uma tensão dramática sempre desequilibrada. Ari Aster força sempre tudo e os sinais de "género" cansam muito. É como se houvesse um lado aleatório que mancha o foco da história, algures entre uma mistura de conto de fantasmas com fábula satânica, coisa que Mandy, de Panos Cosmatos, revelado também no Festival Sundance, resolvia muito melhor.

Hereditário vai ficar para a história como o novo O Exorcista. Neste caso, um O Exorcista para os pobrezinhos.

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