Glenn Close, a mulher a quem negaram o Óscar seis vezes

Ganhou prémios de teatro e de TV e é correcordista de malsucedidas nomeações para os maiores prémios do cinema (seis, nada menos). Natural de Greenwich, Connecticut, chega hoje aos 70 anos e já deixou a sua marca q.b.
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Quem se recordar da espantosa coreografia de Madonna na cerimónia dos prémios da MTV em 1990, com a música trepidante de Vogue a entrar pelas perucas e pelas roupas de outros séculos, lembrar-se-á do vestido que a cantora usou na ocasião. Familiar, claro: fez parte destacada do guarda-roupa de Glenn Close em Ligações Perigosas, a versão de Stephen Frears para o clássico literário de Choderlos de Laclos.

Fica exposta uma das manias da soberba atriz que integra os lotes de eleitos que, por exemplo, conseguiram num mesmo ano nomeações para os prémios Tony (teatro), Emmy (TV) e Óscar (cinema), ou que lograram, ao longo da carreira, entrar na corrida a estes prémios e ainda ao Grammy (gravação audio): Miss Close faz questão de guardar pelo menos um conjunto do guarda-roupa que usou em cada um dos seus filmes.

Contam-se, até agora, 46 longas-metragens já estreadas e mais de meia dúzia já concluídas ou em fase de pós-produção. O que chega para se perceber que, aos mais chegados, esta nativa de Greenwich, Connecticut, viabilize autênticas visitas guiadas ao que já parece ser um particular "museu do traje".

Esta tendência colecionista não se fica pela roupa: na cozinha de uma das suas casas nova-iorquinas - já não o apartamento do edifício Beresford, fronteiro ao Central Park, onde teve como vizinhos Jerry Seinfeld e Diana Ross, e que vendeu há meia dúzia de anos por mais de dez milhões de dólares -, pode ver-se a faca que empunhou no longo e dramático final de Atracção Fatal (1987, de Adrian Lyne). Close brinca com a situação: "Está ali, bem à vista de todos. É uma forma de prevenir as pessoas do que sou capaz..."

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O papel de Alex Forrest vale-lhe, ainda, um desgosto: "Originalmente, o desfecho do filme era o suicídio da Alex, que deixava tudo preparado, com impressões digitais previamente recolhidas, para incriminar Dan Gallagher [Michael Douglas, no filme], que acabava preso por assassínio... Infelizmente, os públicos a quem o filme foi mostrado reivindicaram um final mais catártico e tudo mudou..." Fosse como fosse, o rosto de Glenn Close ajudou muitos homens a suar frio, quando confrontados com os sobressaltos a que Gallagher e a família eram sujeitos, depois de um caso adúltero de uma noite. Convirá recordar que tudo se passava no final de uma década em que os "valores" yuppie estavam na moda...

Estrela tardia e mãe solteira

Por mais que as pulsações disparem diante de Alex, há três imagens de Glenn Close que acabam por voar mais alto, e por mais tempo, descontada até a forma arrasadora como chegou ao cinema, recuperando desse arribar tardio na estreia absoluta de O Estranho Mundo de Garp (1982, tinha já 35 anos), em Os Amigos de Alex (1983) e em Um Homem Fora de Série (1984) - três filmes, três anos, três nomeações para o Óscar de atriz secundária.

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Passada a Atracção Fatal, três momentos que definem uma atriz: primeiro, os últimos momentos da Marquesa de Merteuil, derrotada e proscrita depois de uma vaia pública, quando retira a maquilhagem que a acompanha em Ligações Perigosas.

Segundo, o pavor e o desespero da impiedosa advogada Patty Hewes da série televisiva Sem Escrúpulos, quando se apercebe de que o atentado à vida, que acabou de sofrer, foi perpetrado pelo próprio filho.

Terceiro, o olhar furtivo e inquieto ao longo de todo o filme Albert Nobbs, sempre em pânico de que seja a exposta a verdade - afinal, aquele homem discreto e assustadiço é mesmo uma mulher... No caso do cinema, foram mais duas nomeações para o Óscar (a somar à de Atracção Fatal), aqui para atriz principal; no caso da TV, um Globo de Ouro e dois Emmys testemunham a excelência da proposta.

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Quando rodou Ligações Perigosas, Glenn Close tinha sido mãe dois meses antes. Chegou tarde à maternidade (tinha 41 anos) e fê-lo de forma "independente": o pai da sua filha, Annie Starke, não foi nenhum dos seus três maridos, mas antes um dos vários namorados que lhe renderam relações assolapadas. Entre os seus romances, conta-se o que a ligou ao ator Kevin Kline, com quem viria a dividir atenções em Os Amigos de Alex.

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Dedicada às causas solidárias, participou ativamente em campanhas de sensibilização e de angariação de fundos para o combate às doenças mentais, chegando mesmo a marcar presença num anúncio, acompanhada da irmã, Julie, a quem foi diagnosticada muito cedo a bipolaridade.

Além de ser dona de uma produtora de cinema e TV, a Trillium, que vai encarregar-se (em 2018) de Cruela, num regresso à sua personagem de Os 101 Dálmatas, Close manteve também um negócio relacionado com uma das suas paixões, os cães - além de um catálogo de acessórios caninos, a atriz alimentou um blogue, chamado Lively Licks, em que entrevistava famosos a propósito das suas ligações aos cães. Politicamente, toda a sua família é tradicionalmente democrata e, apesar de tendencialmente reservada, não deixou de se manifestar muito desagradada com a campanha presidencial de Donald Trump, que classificou como "terrivelmente assustadora".

Leva já mais de meio século de carreira profissional - estreou-se em 1964 (aos 17 anos), como atriz, cantora e dançarina na versão original dos Up with the People, uma organização que incentivava os jovens a comportamentos solidários "para fazer a mudança".

Quando chegou ao cinema, já tinha larga experiência de palco, sendo, aliás, uma das atrizes que já conquistaram o Tony, tanto como atriz dramática como na condição de intérprete de musicais e comédias. No cinema, dispensa "duplo" no que toca às canções, fazendo questão de as interpretar ela mesma.

Já assegurou dobragens de filmes estrangeiros (caso de Pinóquio, de Roberto Benigni) e até de atrizes suas compatriotas, como Andie MacDowell, cujo sotaque sulista foi considerado demasiado evidente em Greystoke - A Lenda de Tarzan, de Hugh Hudson. De resto, Tarzan parece sair-lhe ao caminho: no filme de animação da Disney, coube-lhe dar voz a Kala, a símia que se torna mãe adotiva do herói. Já gravou discos, com histórias infantis.

E tem o bom gosto de cultivar amizades junto das parceiras: Rose Byrne, sua discípula e depois inimiga em Sem Escrúpulos, e Meryl Streep, com quem dividiu o cenário (inclusivamente português) na rodagem de A Casa dos Espíritos, estão entre as suas melhores amigas. Diz, com graça, que a confundem muitas vezes com Meryl. Para imediatamente acrescentar: "Exceto nas noites dos Óscares..."

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