Revelado o proprietário do Modigliani desaparecido

O homem que negou ser o proprietário da obra, no centro de um processo judicial, é na realidade o seu dono, revelaram os Papéis do Panamá.
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Primeiro a história que acabou na barra dos tribunais: há cinco anos, 2011, Philippe Maestracci, empresário agrícola, 71 anos, neto de um antiquário judeu acusou a família Nahmad, apelido bem conhecido no mercada da arte mundial, de possuir ilegalmente um quadro de Amedeo Modigliani de que se apropriaram em 1944. Os acusados sempre negaram a apropriação indevida e possuir a obra do pintor italiano.

Homem Sentado (apoiado numa bengala), de 1918, tinha sido vendido pela Christie's de Londres em 1996. O novo dono era uma sociedade com sede no Panamá e nome apelativo: International Art Center (IAC). "Não há outra pessoa no mundo, nem galeria Nahmad, nem Helly Nahmad ou David Nahmad que tenham o quadro", asseguraram os advogados no Supremo Tribunal de Nova Iorque. David Nahamad é comerciante de arte e tem residência no Mónaco. Helly, o filho, tem uma galeria em Nova Iorque.

O que provam os documentos consultados pelo Le Monde, um dos jornais que integra o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, é a tal sociedade com sede no Panamá nunca pertenceu a outros que não o clã Nahmad desde que foi fundada em 1995. Desde 2014 passou a existir apenas um proprietário: David Nahmad.

A história começa a desenhar-se no início da II Guerra Mundial quando Oscar Stettiner, cidadão britânico que comercializa antiguidades em Paris, vai para Dordogne. É nomeado um administrador provisório para a sua galeria pela comissão dos assuntos judios. Em 1944 há notícia da venda de "um quadro de Modiglini" por 16 mil euros (3600 euros). Dois anos depois, Stettiner vai reclamar o "retrato de um homem".

Sabe o nome do homem que o comprou, um galerista chamado John Van der Klip, que em 1947 reconhece ter comprado a obra mas que a vendeu a um norte-americano. Oscar Stettiner morre no ano seguinte sem que o quadro seja reencontrado.

A filha de Stettiner deixa de procurar o quadro. Philippe Maestracci, citado pelo Le Monde explica que a mãe sabia que a família tinha sido espoliada. Em 2011, uma empresa canadiana especializada em obras de arte apropriadas indevidamente, a Mondex, entra em campo e não descobre qualquer referência nos arquivos nacionais franceses à obra desaparecida de Modigliani.

A trama adensa-se. Existem provas de que o quadro, com a indição de pertencer à coleção Stettiner, foi exposto na Bienal de Veneza em 1930. Existe a indicação de ter sido vendido em 1944 por uma soma já então muito baixa (menos de 4 mil euros). Faltava saber o que tinha acontecido entre a venda a John van der Klip e 1996 quando ela é vendida pela Christie's por 3,2 milhões de euros com a indicação de pertencer a J. Livengood entre 1940 e 1945 por filiação. A filha de Van der Klip casou-se com Edwin Livengood e tiveram um filho chamado John.

Em 2008, o quadro voltou à praça concessionado pela Helly Nahmad Galery. A família construiu um nome em torno do mercado da arte, mas Helly, descrito pelo The Guardian como um playboy que gostava de jogo, acabou preso em 2014 por deter um negócio de jogo ilegal no seu apartamento na Trump Tower, em Nova Iorque.

Maestracci acreditou que este era o quadro do avô há muito desaparecido e começou a reclamá-lo. Do outro lado, a galeria dizia que não era a detentora do quadro mas sim uma sociedade com sede no Panamá. Assim, a galeria não podia ser processada por ter o quadro.

O que os Papéis do Panamá vêm agora mostrar é que o apelido por trás desta IAC é sempre o mesmo Nahmad.

Os advogados da família Nhamad fizeram pedidos para que o caso que opõe a IAC a Maestracci fosse conduzido no Panamá e não em Nova Iorque. E diziam que a empresa IAC tinha comprado a pintura de boa fé num leilão.

O que os Papéis do Panamá sugeram é que a Mossack Fonseca trabalhou para provar que a IAC funcionava fora dos EUA. No ano passado, os advogados procuravam quem pudesse assinar a documentação sem a ligar aos Nahmad. Na troca de correspondência, um advogado diz a outra que essa diligência tem de ser conduzida por um dos diretores da empresa, no Panamá.

A Mossack Fonseca recusou comentar o caso.

Enquanto o caso decorre em tribunal, os quadros do pintor continuam a aumentar o seu valor no mercado da arte. A segunda obra mais cara de sempre num leilão é o quadro Nu Couché vendido em novembro de 2015 ao milionário chinês Liu Yiqian por 131 milhões de euros.

O quadro do Homem Sentado (apoiado numa cana) está atualmente guardado num armazém na Suíça, segundo o The Guardian.

Este não é o único quadro mencionado nos Papéis do Panamá, um conjunto de 11,5 milhões de documentos da Mossack Fonseca, um escritório de advogados no Panamá, contribuindo para transformar o mercado da arte, como defende vários professores de economia da Universidade do Luxemburgo que analisaram recordes de leilões dos últimos 36 anos. A conclusão é o que mercado da arte do pós-guerra e contemporânea podia estar a viver um bolha de especulação.

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