Andrew Solomon: "Mães violadas sofreram mais do que as outras"
Após o sucesso em Portugal da sua investigação O Demónio da Depressão, Andrew Solomon tem um novo livro a chegar às livrarias nacionais: Longe da Árvore. Um volume de quase 1100 páginas, que foi publicado em 2012, em que trata de questões muito problemáticas sobre a relação entre pais e filhos com "identidades" especiais. Entre os 12 capítulos está um conjunto de entrevistas, investigação e análise sobre relações problemáticas que resultam de os filhos não serem o que os pais esperavam. Tanto podem ser crianças surdas, anãs, autistas, homossexuais, esquizofrénicas, transgéneros ou criminosas, entre outras situações. Mas a crise entre pais e filhos também se verifica de igual modo com crianças-prodígio ou fruto de violação da mãe.
Andrew Solomon dá o seu próprio caso, o de ser gay e disléxico, para introduzir um dos pontos que aborda, o das identidades horizontais, ou seja, o facto de se ser diferente: "Assim como os meus pais entenderam mal quem eu era, outros pais devem estar constantemente a entender mal os filhos." Ou o de uma amiga que teve uma filha anã e não sabia se a deveria educar como uma criança mais baixa ou com um comportamento de anã.
Quando se lhe pergunta se o facto de se introduzir na questão que vai tratar, a de ser gay à página 3 e disléxico à quinta, Solomon recusa que seja errado porque demonstra o seu conhecimento: "A minha experiência otimiza dois olhares e facilita a compreensão por se saber de onde venho e da autoridade para tratar destas questões." Outro dos acrescentos pessoais que faz é, à página 792, o de relatar como a sua vida mudou enquanto escrevia este livro por ter sido pai. A situação alterou a sua perceção dos temas, questiona-se: "O ter sido pai fez-me crescer e deu-me também um olhar mais abrangente de quem constitui uma família. Como este livro é um testemunho sobre compreender uma família aberta e alargada, a paternidade permitiu compreender melhor muitas das famílias entrevistadas." É um final feliz para um espesso estudo que está recheado de questões tão dramáticas, resultado de dez anos de investigação, centenas de entrevistas e várias versões do livro. Tudo começou com a encomenda de um artigo para a revista do jornal New York Times sobre crianças surdas...
Foi difícil ouvir estes testemunhos?
Houve tempos de grande dificuldade porque não eram o tipo de histórias de vida habituais. Como teimei em aprofundá-las, ia para casa e colapsava.
Que casos o impressionaram mais?
Foram demasiados casos difíceis e é difícil escolher o capítulo mais complexo.
Diz que "as diferenças unem-nos". Há um padrão entre todos estes casos?
Existe muito em comum, mas o mais semelhante é o facto de os pais dizerem "eu nunca desejei isto mas acabei por amar o meu filho ao fim de uns anos". Ou seja, o amor facilitou a inclusão.
Afirma que os surdos não querem ser comparados aos esquizofrénicos ou os anões com os criminosos. Porquê?
Cada uma destas pessoas considera que a sua experiência é única, faz parte de uma identidade e as outras diferenças são doenças. Uma parte importante do livro é a distinção entre identidade e doença, algo difícil de tratar porque é sempre preciso reinterpretar ambas.
Famílias que rejeitam filhos assim e as que não têm algo em comum?
Sim, principalmente na luta pela solução para encontrar uma forma de amar uma criança que é o oposto do que imaginavam quando a fizeram.
O tema mais complexo é o da violação?
É dos mais dramáticos, mas todos os outros casos o são. Há uma mãe que pergunta como pode amar mais o seu filho. As mulheres que têm filhos concebidos por violação lutam contra um poderoso sentimento de maternidade e, pouco a pouco, deixam de ver o filho como produto de violação mas de si. Esse capítulo mostra que as mães violadas sofreram mais do que as outras.
Trata de pessoas com deficiência e de prodígios. É impossível não comparar?
O foco do livro é mostrar a dificuldade de ter um filho diferente de nós. Seja prodígio ou deficiente, exige um acerto nas nossas expectativas para se manterem os planos antes de se ver como são.
Porque diz que "ser pai não é um desporto para perfeccionistas"?
Temos uma imagem antecipada do que se quer na criança, mas se a realidade é diferente a fantasia fica para trás.
Queremos ser diferentes dos pais mas não desejamos que os filhos sejam de nós. Essa regra mantém-se?
Sim, a natureza da criança é ser independente e a dos pais a de a moldar.
Foi a sua mãe que moldou a sua vida?
Ambos os pais me moldaram; a minha mãe talvez tenha estado mais presente, mas o meu pai era mais expressivo. Nunca houve um plano deliberado para guardar segredos, como o de ser gay. Mas isso foi há muito tempo.
Comenta o aviso de Fukuyama quando diz que no futuro a humanidade perderá a sua variedade. Acredita?
A natureza da natureza é a variedade e vai continuar assim. A pergunta é se a sociedade nos fará aspirar a ficarmos parecidos uns com os outros. Lutamos para eliminar diferenças, mas não acredito que o conseguiremos, além de que o seu fim será algo muito perigoso.
Trump é uma paragem na evolução?
Creio que é o maior desastre nos EUA desde que nasci. Destrói o que se fez com comentários impróprios às mulheres e é um veneno para a sociedade.
Receou alguma vez que o seu filho nascesse diferente?
Muito, mas compreendi que fosse qual fosse a situação teria de ser capaz de tratar da questão da melhor forma possível. Por isso, estes pais são heróis.
Longe da Árvore
Andrew Solomon
Edições Quetzal
1084 páginas
PVP: 29,90 euros