Henrique Raposo enfrenta hoje ódio das redes sociais
Às 18.30 desta tarde acontecem quatro sessões de autógrafos de novos livros em Lisboa mas só uma deverá ser notícia, a do colunista Henrique Raposo. Para o bem ou para o mal, o livro Alentejo Prometido começou a ser comentado no Facebook e todos os que não o leram tinham opinião crítica a dar.
Não leram? Não, basta ver o teor dos comentários ou perguntar à Fundação Francisco Manuel dos Santos se já deu ordem para fazer qualquer reimpressão do volume devido à procura. Afinal, os seis mil exemplares que foram para as lojas do Pingo Doce estão longe de esgotar. O sucesso da polémica virtual só teve um único benefício, o de as livrarias se interessarem em o ter entre os livros que custam 15 ou 25 euros em vez de ignorarem a coleção porque os 3,5 euros que custam não dão grande margem comercial.
Para que não fiquem dúvidas sobre a ignorância em relação ao conteúdo do livro por parte de quem anda na polémica, o sucesso de Henrique Raposo nas redes sociais ainda está muito longe de ser comparável em termos de vendas a, por exemplo, o volume Justiça Fiscal de Saldanha Sanches, que conseguiu bater o recorde de vendas. Ou o de Maria do Carmo Vieira, sobre o Ensino do Português, que somou 40 mil exemplares. Até o ensaio que saiu ao mesmo tempo que o Alentejo Prometido, o Esquadra de Polícia, de Susana Durão, está a ter mais procura.
O responsável pela coleção, António Araújo, não esperava todo este falatório: "Quando li o original, não me causou estranheza, nem a Fundação anda a controlar os autores. O que se pretendia era um olhar narrativo e recuperar a tradição da reportagem jornalística, que hoje não existe nos jornais devido à crise." Explica que os convites são feitos a várias pessoas, como foi o caso da escritora Luísa Costa Gomes, que "já prometeu escrever sobre a Costa de Caparica". Acrescenta: "Este ensaio é totalmente subjetivo e resulta do olhar do autor, que tem um percurso familiar no Alentejo e fala sobre isso. É autobiográfico, um registo de memórias, e não pretende ser um livro científico. Não é um estudo antropológico, como o que se intitulava Senhores e Servas, que coligia depoimentos de criadas que eram abusadas pelos latifundiários. Quanto à questão dos suicídios, é a opinião do autor." Remata: "Raposo é desconcertante e não pode ser etiquetado enquanto autor." Quanto ao critério editorial, Araújo garante que "a Fundação não vai deixar de publicar os livros que quer, tal como não nos intrometeremos nos seus conteúdos". E pede: "Não politizem este livro."
Apagar a memória
As questões que trouxeram o livro de Henrique Raposo ao mundo dos insultos e das ameaças nas redes sociais não criaram polémica por acaso, e um dos apresentadores que hoje estará na Livraria Bertrand de Picoas, o jornalista Henrique Monteiro, considera que o motivo é simples: "As pessoas não querem ter vivido num país que foi assim e este livro reflete uma vivência pessoal sobre o Alentejo onde o autor nasceu. É um testemunho pessoal sobre um país que se não era assim era parecido, mesmo que queiram que fosse outro." O outro apresentador, o escritor J. Rentes de Carvalho, não irá ser suave segundo anuncia a organização: "Cuidará de lançar as achas transmontanas para a fogueira." Uma expressão que faz lembrar a fotografia de um alentejano que em protesto queimou os livros de Raposo no Facebook, numa espécie de auto de fé como os que a inquisição já promoveu em Lisboa para calar as opiniões contrárias. Uma censura que, salvaguardando o estatuto da obra, recorda o veto do secretário de Estado Sousa Lara ao Evangelho segundo Jesus Cristo de José Saramago. Um episódio que Henrique Monteiro utiliza para demonstrar que o ódio exibido nas redes sociais é preconceituoso: "Se fosse Saramago ou Manuel da Fonseca a escrever isto dir-se-ia que era genial."
Sessão de lançamento às 18.30, na Livraria Bertrand do Picoas Plaza, com apresentação de António Araújo, Henrique Monteiro e J. Rentes de Carvalho.
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